Fortaleza de Bertioga e terrapleno feito em 1775 |
Apesar de separadas pela Serra do
Mar e cada cidade viver sua própria realidade, Mogi das Cruzes e
Bertioga sempre estiveram muito próximas, tanto que no período
colonial, por questões de abastecimento, o povo de Mogi descia a
serra por caminhos diversos que compreendiam a via que tinha por
destino Boracéia e região, ou pelo Campo Grande (atual Taiaçupeba)
desembocando próximo do Rio Itapanhaú.
A comunicação de Mogi das Cruzes
com o litoral, no início do século XVIII, sofreu as consequências
da descoberta de metais preciosos e receios da coroa portuguesa
quanto ao livre acesso às minas, assim os três caminhos que de Mogi
levavam à Santos foram fechados por ordem real.
Por essa mesma razão a fortaleza da
Bertioga passou em 1724 por uma reforma que a dotou de uma construção
feita de pedra e argamassa ao invés de somente estacas de madeira,
pois se esperava que o porto de Santos tivesse um incremento no
comércio e possivelmente fosse alvo de piratas.
Anos depois, em 1775 as reformas na
fortaleza da Bertioga, feitas a mando de D. Luis Antônio de Sousa
Botelho Mourão, governador da capitania de São Paulo, faziam parte
de uma série de medidas que objetivaram defender o território da
coroa portuguesa que vivia litígios com o Império espanhol além de
continuar a guarnecer a vila de Santos.
Podemos ver na primeira planta a
reforma empreendida para reparar os danos causados pela ação do mar
no muro lateral da fortaleza e em seguida, na segunda planta que nos
mostra a entrada do canal de Bertioga, vemos as novas estacas que
circundavam o forte para reforçar a defesa e do outro lado do canal,
a “armação das baleias”, onde hoje ainda podemos encontrar
alguns vestígios da construção, as estacas e paredes de pedra que
compunham o fortim do lado oposto à fortaleza da Bertioga para
cruzar tiros com o Forte São João e não permitir a entrada pelo
canal para ameaçar e atingir Santos.
Fortaleza da Bertioga que D Luis mandou fazer em 1775
O século XIX assistiu o
esquecimento do Forte, o ocaso da armação das baleias e a dura
sobrevivência da vila de pescadores e pequenos criadores ou
sitiantes, mas no alvorecer do século XX, com a modernidade
representada pelo automóvel, as estradas com condições para o
transito de veículos passava a ser a pauta de reivindicação das
autoridades, sendo realizado em 1917 o I Congresso Paulista de
Estradas de Rodagem e em Mogi das Cruzes novamente se pensava na
ligação com Bertioga.
Com o início das obras, em 1926, da
adutora que iria contribuir para abastecimento de água na cidade de
São Paulo São Paulo, os distritos de Biritiba Mirim e Taiaçupeba
que ficavam mais próximos do alto da Serra do Mar e outrora tinham
passagem para o litoral, passaram a contar com estradas que
viabilizaram o transito pesado de caminhões que levavam materiais e
operários para as obras. Instalados em Taiaçupeba os operários
eram transportados para as obras da adutora na caçamba dos
caminhões, sendo que não era raro acidentes como os de 1935, onde
um caminhão Sauer despencou num precipício com 22 pessoas, com
saldo de 4 mortes e 16 feridos, entre estes alguns em estado grave.
Meses mais tarde outra morte era anunciada no transporte de operários
que moravam na sede do distrito.
Aos poucos a ligação por estrada
de rodagem de Mogi com o alto da Serra do Mar ia sendo efetivada,
muitas vezes com estrada aberta, mas caminhos precários, o que era
uma constante em relação às estradas como podemos constatar pelos
anúncios veiculados em jornal do Ford V8 para o final dos anos 30
que destacava a “Rodagem Especial” que aumentava a altura
do carro e garantia “o transito dos mais acidentados caminhos”.
As comunicações por estrada de
rodagem avançavam e Santos e Guarujá atraiam turistas
principalmente da capital, enquanto Bertioga, no início da década
de 40 era vista como um potencial investimento com os primeiros
loteamentos urbanísticos abertos pela Cia. Urbanística de Bertioga,
tendo a frente José Ermírio de Moraes junto a outros empresários,
que também fundam mais tarde a Praias Paulistas S/A e loteiam a
região conhecida hoje por Indaiá. É desta época também,
especificamente 1948, a Colônia de Férias do SESC.
A corretagem destes e outros
loteamentos começavam e logo atingiam a cidade de Mogi das Cruzes em
1957 e inicio dos anos 60 levando muitos mogianos a comprar e
construir em Bertioga, na vila Itapanhaú, Indaiá, Balneário
Mogiano na Boracéia ou próximo ao SESC, levando a viagem de
descanso para o litoral de 3 a 4 horas seguindo pela Via
Anchieta-Santos-Guarujá-Bertioga.
Ao mesmo tempo a possibilidade da
ligação rodoviária direta Mogi – Bertioga continuava presente
para os mogianos com a aprovação pelo Conselho Rodoviário do
Estado da construção da rodovia passando por Taiaçupeba, o que faz
com que um grupo do distrito, liderados por Milton Rabelo e mais 27
homens desçam a serra do mar, usando trilhas antigas para demonstrar
a viabilidade da empreitada passando pelo Sertão dos Freires, de
outra feita, realizam a medição do rio Itapanhaú, pernoitando no
pé da serra, no dia seguinte sobem as escarpas por trilhas até o
ponto de ônibus do Sertão dos Freires.
Há muito a ligação rodoviária se
concretizou e consolidou o crescimento da região de Bertioga e com
essa ligação direta com o planalto os caminhos continuam a se
transformar e novas formas são produzidas, agora com a anunciada
duplicação da rodovia Mogi – Bertioga.
Hoje
Bertioga não precisa mais da defesa de sua fortaleza contra perigos
que venham do mar, no entanto a defesa ainda se faz necessária em
relação à conservação de seu patrimônio histórico,
materializados em suas construções tombadas, inclusive o Forte São
Luiz (23/09/1974) que precisa de urgente intervenção, seu
patrimônio cultural que conta com sambaquis, dentre eles um
registrado no rio Itapanhaú, a aldeia Guarani no rio Silveira em
Boracéia e outros, onde a Secretaria do Meio Ambiente do Estado de
São Paulo aponta a ausência de pesquisas sistemáticas no campo do
patrimônio cultural como um todo ou sumariamente abordada.
Fontes
jornail “O Liberal”, 1933, 1938
Secretaria
da Cultura do Estado de São Paulo – tombamento Fortaleza de São
Felipe, Livro do Tombo Histórico, inscrição nº87, p.10,
23/09/1974
A fortaleza de São Felipe coberta por vegetação, na ponta da ilha de Santo Amaro, vista de Bertioga
O lado
menos visível do canal da Bertioga
Quando,
na década de 30, Mário de Andrade concebeu um serviço de proteção
do patrimônio histórico e artístico nacional já havia a
preocupação com as construções históricas no litoral,
particularmente em Bertioga, que foi visitada por Luis Saia, amigo de
Mário, que escreveu “Notas de uma viagem a Bertioga” em 1937, o
que levou neste mesmo ano a uma viagem do próprio Mário de Andrade
para tomar contato com as construções coloniais e a cultura
caiçara. Entre
os bens para tombamento inventariados por Mario de Andrade em 1937 se
encontrava, além do forte São João, as ruínas do São Felipe ou
São Luis.
De frente
para o Forte São João, localizado no lado oposto do canal de
Bertioga, no extremo norte da Ilha de Santo Amaro no Guarujá,
coberto pela vegetação repousa os vestígios do Forte São Felipe
ou São Luiz.
A
duplicidade do nome se explica porque em 1904 o escritor Euclides da
Cunha se referiu a um dos fortes de Bertioga como São Felipe, no
entanto, a construção do século XVI desapareceu e o que hoje vemos
é a construção que data provavelmente do final do século XVIII
denominada Forte São Luiz (Livro
do Tombo Histórico: inscrição nº 87, p. 10,
23/09/1974) e os muros de pedra que ladeiam a costeira do canal e
conduzem ao forte, juntamente com as muralhas e piso que resistem ao
tempo e ao descaso.
Aqui
ressaltamos em detalhe esta construção, apresentado no início da
página com o título “Obra
da estacada que D. Luis mandou fazer na Bertioga 1775” (acervo
Biblioteca Nacional),
mostrando
que existia no lado oposto ao Forte São João uma “Estacada”
ou
barreira construída com grandes estacas de madeira para proteção,
possivelmente de artilharia e artilheiro, pois a posição favorecia
a artilharia de fogo cruzado com o Forte São João, impedindo desta
maneira que inimigos entrassem pelo canal da Bertioga, surpreendessem
e tivessem acesso à vila de Santos por um local menos guarnecido.
Se
hoje cruzarmos de barco o canal no sentido Bertioga – Guarujá,
desembarcando e seguindo a trilha à esquerda pela costeira podemos
ver o que está representado no desenho do século XVIII, com a
Armação das Baleias (restam poucos vestígios), muros de pedra no
“caminho
da vigia” e
“caminho
da estacada”.
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