Abelhas no Itapety: natureza e cultura
Nos séculos iniciais de colonização, os portugueses, nas
entradas para o sertão, aprenderam com os índios a coletar o mel das abelhas
nativas de nossas matas.
Nos caminhos da modernidade, hoje encontramos nas prateleiras
de hipermercados e supermercados grande oferta de mel e outros produtos
originários de diversos apiários que trabalham em escala industrial e todos ou
pelo menos a maioria usam as abelhas de origem européia para produzir o mel que
chega para o consumo, sendo que as abelhas nativas, apesar do sabor do mel,
foram deixadas de lado em vista da baixa produtividade.
Já dizia Aires de Casal, em 1817, sobre as abelhas
brasileiras, que existiam diversas espécies, “mas nenhuma delas se pode comparar com a única européia na
utilidade de seu produto. A chamada Ururu
é a mais numerosa, e de cor parda. A mumbuca é anegrada. A mandassaia
negra e curta. Toda as três são do tamanho da européia. A tupim é menor.
A teuba é também pequena e amarelada. A cupineira, assim
denominada porque ocupa a casa do cupim, faz bom mel. A tataíra e a saranhó.
De todas essas espécies só as duas ultimas são perigosas. A getaí é do
tamanho de mosquito, e fabrica um mel muito líquido e delicioso. A caruara
é pouco maior. A preguiçosa é do tamanho da getaí e fabrica um mel sem
gosto. A denominada mosquitinho é muito pequena e mora no chão. Nenhuma
destas espécies fabrica favo como os da Europa.”
Conhecido dos antigos moradores da terra, sertanistas e
índios, o mel muitas vezes contribuiu para alimentar aqueles que entravam pelo
sertão e a existência de mel nas matas, em grande quantidade, serviu também
como mantimento daquele morador que se estabelecia pelos caminhos, sendo,
segundo Sergio Buarque de Holanda, hábito entre os caboclos de São Paulo trazer
de suas entradas na mata, pedaços de tronco contento abelheiras de mandaçai, ou
favos capazes de reprodução e o mesmo autor arrematava com a pergunta, “não
constituiria herança indígena?”
Apesar deste costume de “criar” as abelhas, o certo é que
após os primeiros séculos de colonização, com o avanço do homem, a ocupação e
destruição das florestas, principalmente através das queimadas, contribuíram
para o desaparecimento das abelhas nativas, como é exemplo a zona cafeeira do
Vale do Paraíba e Oeste paulista, onde a derrubada e queima da mata isolava o
café de potenciais agentes polinizadores, como as abelhas, o que diminuiu os
rendimentos de 10% a 15%, assim, não só a baixa produtividade contribuiu para o
desaparecimento das nativas, mas também a destruição de seu ambiente.
Pensarmos em antigos caminhos, natureza e cultura, nos remete
à Claude Lévi-Strauss. É novamente o grande antropólogo que nos fornece
indícios sobre as dificuldades no convívio com estas pequenas abelhas ou melíponas:
Irapuá ( Trigona sp). Foto: W.B. Campodônio |
Alguns
méis com composição alcalina são, aliás, laxantes e perigosos, alguns, até
mesmo embriagantes, como o mel da 'feiticeira', abelha encontrada no Estado de
São Paulo.
Apesar de
alguns perigos evidentes, o mel selvagem sempre exerceu enorme fascínio sobre a
nossa população tradicional. É ainda o antropólogo que nos diz:
Seja como for, o mel selvagem apresenta para os índios um
atrativo que não se compara com o de nenhum outro alimento e que, como notou
Ihering, assume um caráter verdadeiramente passional: “O índio... (é) fanático
pelo mel-de-pau”.
As
abelhas da Serra
Os filhos
de José Rubens Batista e Antonia Batista, Marcos Rogério Godoy Batista e Rubens
Batista, administram uma área de cerca de 71 alqueires em boa parte constituída
por mata nativa. Nesta ilha de vegetação, harmoniza-se uma casa de taipa com
aproximadamente 130 anos.
Esta
harmonia, vem de uma decisão familiar tomada com o falecido pai em 1990: deixar
gradualmente a pecuária e investir na apicultura, na comercialização de mel,
própolis e geleia real.
Trabalhar
com abelhas implica no compromisso de manter e preservar plantas, flores e
animais da região e de procurar expandir a atividade para outros moradores:
"As abelhas foi a forma encontrada pela gente para não precisar vender
nenhum pedaço da nossa da nossa área. O gado estava em baixa, não conseguíamos
mais vender tanto leite e queijo e se não tomássemos providência acabaríamos
perdendo, como tantos outros, algum espaço" (O Diário, 1993 :18).
Atualmente,
o apiário empenha-se na obtenção de méis de abelhas nativas ou indígenas sem ferrão,
assim conhecidas por serem dóceis e não possuírem ferrão. Neste sentido, o
Brasil é possuidor de ampla biodiversidade incluindo-se abelhas pertencentes
ora a espécies solitárias, ora a espécies sociais: são mais de 300 espécies de
meliponídeos identificados no mundo e destas, aproximadamente 200 vivem no
Brasil, agrupadas em treze famílias ou
subfamílias, destacando-se os gêneros Melipona ( Meli =
mel + ponos = trabalho ), literalmente as trabalhadoras com mel e Trigona
por apresentarem interesse alimentar. Estas abelhas exercem fundamental
importância na polinização e preservação de centenas de espécies vegetais em
diversos biomas.
Jatai ( Tetragonisca sp). Foto: Christiano Figueira |
Contudo,
a transição da pecuária para a apicultura não foi imediata. Foi um longo
aprendizado que consumiu mais de vinte anos de preparativos, aplicação e
paciência. No início, a opção pela abelha “europa” (Apis mellifera),
levou em consideração sua sustentabilidade e rendimento, transformando-se
rapidamente na principal atividade do núcleo familiar.
Entre os meses de setembro e outubro de 1994, a Serra do Itapeti
foi vitimada pelo que foi talvez, o maior incêndio florestal já registrado na
região. O fogo se estendeu por até 4 dias, destruindo todas as condições de
biodiversidade favorável às abelhas indígenas, concorrendo para a sua quase
total erradicação. Foi nesse período, que Marcos, seu pai José Rubens e demais
familiares, procuraram recuperar parte da vegetação destruída com a
distribuição de sementes de espécies nativas e a utilização da abelha “europa”,
para a polinização e dispersão em massa desta vegetação. Vinte e cinco colmeias
foram instaladas próximas das primeiras florações, de forma a promover a
multiplicação destas essências.
Mas isto
apenas por um período, pois a abelha “europa”, por sua grande capacidade de
reprodução, chega a concorrer com as nativas na busca por alimento. Graças a
estas medidas, atualmente observa-se um significativo aumento destas abelhas no
Itapeti e consequentemente do início da produção melífera. A técnica é
minuciosamente descrita por Marcos:
O projeto de recuperação das abelhas nativas relaciona-se,
principalmente, na distribuição de ninhos iscas na mata, em substituição aos
ocos das árvores destruídas no incêndio de 1994 (seus habitats naturais).
Procedeu-se desta forma para evitar o abate de novas árvores pela remoção
predatória de méis e enxames por melicultores.
“Fizemos
várias “iscas” para a captura dos enxames feitas com “taquara gigante”. Muito
embora os técnicos recomendem garrafas PET, achamos agressivas ao ambiente. Os
gomos são abertos e vaporizados com uma mistura de própolis e cera de mais de 8
tipos de espécies de abelhas indígenas, deixando-se apenas uma pequena abertura
para a entrada do enxame, onde se insere um pequeno cotovelo de PVC, com a
extremidade interna voltada para cima, o que fornece ao conjunto, o aspecto de
um cachimbo. Isso é feito para evitar a entrada de água e servir
simultaneamente de passagem para as abelhas.
Em três anos de atividade, foram distribuídos mais de 100
ninhos iscas em vários pontos da Serra, sendo que apenas 25% nidificaram. O
motivo, deve-se provavelmente à falta mundial de mel, fenômeno que vem
ocorrendo nestes últimos quatro anos. Das iscas que nidificaram, 10 são da
espécie Jatai, 4 de Mandaçaia, 2 Irapuã e 1 de Manduri. O restante foi
nidificado por formigas e vespas ou sofreram ataques de outros animais. De
acordo com a espécie, fabricamos diversos modelos de colmeias, como a Jatai e
Mandassaia. Uma abelha em extinção, que temos encontrado na região do
“serramar” é a urupum, muito bonita, com coloração café com leite.”
Pela polinização com esse tipo de abelhas garante-se a
qualidade vegetativa dos ecossistemas, em função da melhoria e aumento da
quantidade de frutos e sementes, e essa por sua vez, na condição de alimentação
farta, abrigo e locais de nidificação de outras espécies de abelhas, mas também
animais e aves.
A lida com as abelhas indígenas, significa uma série
constante de viagens para a localização de enxames e troca de experiências com
outros apicultores. É necessariamente uma atividade colaborativa,
autossustentável, não predatória e educativa. Por exemplo, as abelhas do gênero
Apis são grandes, não conseguindo polinizar determinados tipos de
florações. Já as abelhas indígenas são em geral bem menores e por isso mesmo,
capazes de uma faixa muito mais ampla de polinização.
Quero devolver à Serra do Itapeti o que já existia no
passado, o que há de mais precioso e importante para o seu ecossistema: as
abelhas sem ferrão, concorrendo desta forma a transformar a região em um
santuário ecológico e simultaneamente estimular esta atividade para outros
melicultores desta e demais regiões.
Duas características recomendam uma visita ao Apiário
Cruzeiro do Sul: uma conversa informal com o apicultor, que consiste em uma
verdadeira aula sobre a natureza destas pequenas e preciosas abelhas nativas e
conhecer o trecho original do antigo Caminho do Lambari, que conduzia
tropas de muares e mercadorias de Santa Isabel e Itapeti para a região Central
de Mogi das Cruzes. O caminho, na verdade o valão da antiga trilha, permite
antever remanescentes vegetais de uma floresta bem conservada e, ao estender-se
rumo ao Bairro do Rodeio, verificar os estragos provocados por uma ocupação
desenfreada.
Abelhas
Indígenas Brasileiras
Nome Popular
Nome
Científico
Abelha do
cupim
Aparatrigona impunctata
Feiticeira
Trigona recursa (Holmberg)
Irai Nannotrigona testaceicornis (Lepeletier)
Irapuá Trigona spinipes (Fabricius)
Jandaira
Melipona subnitida
Jatai
Tetragonisca angustula angustula
Lábios de morena
Leurotrigona pusila
Mandaçaia
Melipona quadrifasciata quadrifasciata
Manduri
Melipona marginata carioca
Moça branca ou
mosquito Frieseomelita tricocerata
Moça
preta
Frieseomelitta silvestrii (Friese, 1902)
Mombuca
carniceira Trigona hypogea (Silvestri)
Uruçu amarela
preguiçosa Melipona puncticollis
FONTES:
TORRES, Marco Aurelio Silveira. Apis Guia. Disponível em http://www.apisguia.com.br/?pagina=abelha_lsg&id=40.
CAMPODONIO, W.B. Macro - Abelha preta (arapuá). Flickr. Disponível em http://www.flickr.com/photos/wagnerbacciotti/4343201027/. Acesso 07 Maio 2012.
TORRES, Marco Aurelio Silveira. Apis Guia. Disponível em http://www.apisguia.com.br/?pagina=abelha_lsg&id=40.
CAMPODONIO, W.B. Macro - Abelha preta (arapuá). Flickr. Disponível em http://www.flickr.com/photos/wagnerbacciotti/4343201027/. Acesso 07 Maio 2012.
Para saber mais
FIGUEIRA,
C. Abelhas do Brasil. Disponível em http://abelhasdobrasil.blogspot.com.br/2011_06_01_archive.html. Acesso 07 Maio 2012.
HOLANDA,
S.B. de. Caminhos e Fronteiras. 2. ed. Rio de Janeiro: Liravia José
Olympio, 1975.
LÉVI-STRAUSS,
C. Do mel às cinzas. Sao Paulo: Cosac e Naify, 2005.
MIRANDA,
Adriana. Serra, motivo de orgulho para a cidade. O Diário. Suplemento
Especial. Mogi das Cruzes, 01 de Setembro de 1993, pg. 18.
TAUNAY,
Visconde de. Céus e Terras do Brasil. 7. ed. Rio de Janeiro: Francisco Alves,
1930.
Podcast:
veja em <www.dialeticacultural.net/podcast>
a entrevista com Marcos Batista: uma verdadeira aula de apicultura caipira!
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