No Natal de 1921, o jornal A Vida, retrata em sua primeira página, uma crônica natalina que realça a solidariedade entre a população mogiana deste período: o costume de, após a Missa do Galo, os fieis se dirigirem à casa de outras famílias católicas para apreciar seus presépios, quando a “[...] cidade apresenta um movimento desusado.” Também o profano é mencionado, como o costume das crianças de apresentar sapatinhos atrás da porta de seus quartos para receberem presentes, bem como a utilização de costumes e refeições mais elaboradas. Neste espírito de solidariedade, também “[...] a pobreza faz o seu natal, dada a bela iniciativa de instituições e agremiações de caridade, que angariam donativos entre os corações piedosos, e assim, vemos também satisfeita essa classe desprotegida da sorte.”
No entanto, à aparente harmonia existente numa sociedade imaginada sem contrastes sociais, salta aos olhos quando, na mesma página em que foi publicada a Crônica de Natal, um artigo sobre o voto feminino (ainda em tramitação no Congresso), assinado por S.F.Q. revela, se não a desigualdade presente nas relações sociais, a tensão presente entre as relações de gênero. Eis o texto transcrito na íntegra.
O Voto Feminino
O direito de voto às mulheres é – pode-se afirmar desde já – uma realidade, entre nós.
Isto está a nos dizer o Congresso Nacional que a estas horas estuda o projeto com interesse e não está longe o dia em que o veremos nas mãos do Executivo para o seu sancionamento.
E o belo sexo, que nos dirá? Estará de acordo com as leis governamentais que o coloca em igualdade de condições político-sociais com os seus semelhantes do sexo forte?
Quererá a mulher deixar a sua simpática e nobre posição de mãe de família para correr às urnas e intervir na política com risco a uma tremenda catástrofe de transformar o lar numa torre de Babel?
Sim, porque, imaginem lá. O marido político e dos aferroados; os filhos – pode muito bem acontecer – políticos e partidaristas apaixonados; todos de ideias e de partidos diferentes; si nestas condições ainda entra a mulher com sua opinião e teimosia (as mulheres são às vezes teimosas, pirracentas até por esporte), que será dessa casa?
Imaginem numa época como esta em que os partidos fervem e as opiniões se divergem. Teríamos comida sem sal, sem tempero ou sem gordura, quando não, cabeças partidas ou divórcios em cartórios.
Se na atualidade os ciúmes e as intrigas fazem das mulheres inimigas irreconciliáveis e mal encaradas entre si, que diremos se ainda se envolverem em questões políticas, que apaixonam e desnorteiam?
Perderiam por certo o seu completo prestígio.
A mulher brasileira compreende e interpreta muito diferentemente a lei que ora anda pelo Parlamento. Isto o sabemos. Ela por si acha inoportuna essa concessão de voto e abster-se-á de ir às urnas, mesmo porque não estará disposta a levar algumas pauladas nos dias de eleições.
Quererá, é certo, conservar-se no lar, entre as carícias de seus filhinhos, que são todo seu afeto, e alimentará, como até aqui, no seu coração a verdadeira política – a Política do Amor.
Mogi, Dezembro de 1921. S.F.Q.
Fontes
A Vida. Órgão do Partido Republicano Governista
25 de Dezembro de 1921 Ano 16, N. 687