As danças dramáticas na
serra do Itapety - 1929
Hoje a ocupação da Serra do
Itapeti é extensa, se divide em bairros pertencentes a vários municípios, numa
diversidade que engloba o Parateí, Taboão, Lambari, Maracatu e outros, pois que
a ocupação humana na Serra é centenária, sendo que temos registros gráficos
chamados de Cartas Sertanistas (Biblioteca Nacional), possivelmente de meados
do século XVIII, que eram mapas feitos pelos homens que adentravam o sertão e
mostram a penetração, ocupação do território e a área de São Paulo, Mogi das
Cruzes e as serras. Outros registros de ocupação da serra são os de moradia que,
por exemplo, mostram no inicio do século XIX em bairro rural denominado Itapeti,
como viviam, trabalhavam e o que produziam essas populações rurais.
O cotidiano de trabalho no mundo
rural, que envolve o tempo do plantio e da colheita, da lida com os animais,
favorece o desenvolvimento de festividades em locais que pode parecer distante
para o morador da cidade, mas, acostumados a distancia de moradia de um vizinho
para outro, o caboclo não vê problemas e assim os moradores de um bairro rural
podem freqüentar outro, mesmo sendo distante, e assim existe uma rede de
informações onde mesmo aquele bairro mais afastado sabe o lugar e quando irá
acontecer uma festa de devoção com danças, canto e diversão.O mestre da Folia e
de São Gonçalo, morador de Salesópolis vinha tocar em festa de Santo Alberto,
os Lambarianos (o morador do Lambari) iam constantemente nas festas da
Freguesia da Escada
Nas celebrações em homenagem aos
santos ou ao espírito santo, as danças constituíam uma de suas principais
atrações. Proibidas no período da escravidão, muitas delas, em especial a
Congada, o Moçambique e a Marujada conseguiram inserir-se neste contexto.
Verdadeiros bailados populares, estas “danças dramáticas”, no dizer de Mário de
Andrade (1937), tem essencialmente uma função religiosa: São expressões do
sagrado através das danças como São Gonçalo, Cururu e Congada constituindo um
ato de devoção, para com alegria, através da musica, da dança e do canto
estabelecer uma comunhão com o divino.
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Além de sua função religiosa, estas danças cumpriam uma função social e
educativa, estreitando os laços de solidariedade, criando uma identidade
coletiva e o sentimento de pertencer a
uma comunidade, principalmente nas áreas rurais, relativamente isoladas
e organizadas em pequenas comunidades: o bairro.
Em Mogi das Cruzes, Mário de
Andrade, registrou em película cinematográfica, dirigida por Dina Lévy-Strauss,
datada de 30 de Maio de 1936, Congos, Congados e Cavalhadas, na área central da
cidade, e na verdade estes cantos e danças vinham da área rural de Mogi das
Cruzes.
A documentação sobre a ocorrência
destes eventos em áreas rurais durante os anos 30 parece não ter sido realizada
por estudiosos e pesquisadores e talvez a única exceção pertença aos estudos do
próprio Mário de Andrade sobre a região que apontam a ocorrência destas danças
na altura do Itapeti e Poá, pertencente ainda ao município de Mogi das Cruzes.
Em Mogi, um destes bairros,
situado nos contrafortes da Serra do Itapety (atual Bairro Beija-Flor), parece
ter cultivado estas formas de dança ainda na década de 20, conforme depoimento
cedido pelo Sr. Joaquim de Souza Mello, nascido e criado nesta região, hoje
contando com seus 74 anos, lembra-se da realização das Congadas e Monçabiques:
"Em 1929, no Itapety, o Sr. Benedito Pinheiro, proprietário do
Sítio Duas Irmãs, era Mestre de Monçambique. Meu Pai dançava Congada, quando
ainda eu era solteiro e também participava do Moçambique, que na época, contava
entre 12 a
16 componentes."
Congada e Moçambique, que segundo
o Sr. Joaquim, são bem diferentes:
"A Congada é diferente do Moçambique, na Congada a pessoa era
sorteada, se aproximava do trono e do rei, chamado Belo, e tinha que beijar o
pé do Rei. O rei da Congada, o Sr. Avelino, designado como o "Belo
Sudário", teve inclusive um filho, batizado como Sudário."
A Congada permaneceu no Itapety
por muitos anos, apresentando-se por toda a região:
"O pessoal ia a pé até o Bairro do Maracatu, em Guararema. Um primo
do meu pai, muito brincalhão, antes de chegar nas fazendas para as festas,
procurava por vestígios de bagaço de limão no rio, o que significava que um
leitão fora preparado e assim, o repasto estava garantido. Agora, este bairro
do Maracatu, é quase deserto. Antigamente, tinha muito mais gente do que
hoje."
"Tinha uma venda, do Camilo, que o pessoal quando ia para a dança,
cortava as mantas de carne seca. Pois é um negócio errado isso, mas meu pai
contava essas coisas. Puxa, o cara vai fazer uma devoção... não é uma
brincadeira... Comprasse né."
"Na Congada tinha o Rei, o Embaixador. Eu sei que era bonito. A
Congada era muito bonita. Eu cheguei a dançar com o Dito Pinheiro, várias
vezes. Ele dançava nas Igrejinhas, no Santo Alberto, na Moralogia (em uma
igrejinha que não existe mais) e na Cruz do Pito."
"Na Cruz do Pito, o Salto, eram outros maestros de Moçambique,
outros grupos. O moçambique do Zé Martins, do Dito Mathias. O Salto é o
seguinte: Bairro do Itapety do Salto, no ribeirão do Salto. O Zé Rosa era o
folgazão e mestre de São Gonçalo, também o Zé Pereira. O Zé Pereira, era casado
com a irmã do Dito Pinheiro."
Na Congada, as pessoas se
aproximavam do Rei, e declamavam pequenos versos:
Sou um soldadinho destemido,
De calça branca e botina
numerada,
Subo morro, desço morro,
Com a mochila na cacunda.
A pinta que o galo tem,
O ovo tem na gema,
Uma é branca outra amarela,
A pinta que o galo tem,
o pinto saiu com ela.
Totalmente erradicados das áreas rurais, sobrevivem na Mogi
atual, em áreas próximas aos núcleos urbanos, seis grupos de congadas ainda em
atividade: Mocambique São Benedito e Nossa Senhora do Rosário da Vila Natal,
Congada São Benedito do Coração de César de Souza, Grupo de Moçambique Capela
Santa Cruz do Botujuru, Congada Marujada N. S. do Rosário de Brás Cubas,
Congada Santa Efigênia e Congada Batalhão Nossa Senhora Aparecida.
As cavalhadas, hoje infelizmente desaparecidas foram também
descritas e filmadas em 1936. Nos Inquéritos Folclóricos podemos ler:
Dos jogos ibéricos das cavalhadas (…) o jôgo das canas, o das
argolinhas e o de cristãos e mouros, pelo menos estes passaram para o Brasil
(…). Quanto ao nosso jogo das cabecinhas (…) permanecido em Franca e Mogi das Cruzes, não sabe o orador se
usado em Portugal e Espanha. Parece derivar de figura de papelão que segurava a
argolinha no Juego de Sortijas espanhol. Quanto ao jôgo das canas ibérico, servindo-se de uma
descrição feita para 1602 por Barthélemy Joly, observa o orador que muitas das
figurações equestres ainda existentes em Franca e Mogi das Cruzes (…), são tecnica tradicional importada da peninsula
(CCSP, 1938).
Para assistirmos às cavalhadas podemos recorrer ao filme
etnográfico de Dina Lévy-Strauss de 1936. Cavalhada mesmo em Mogi, agora só no
cinema...