Trilhos urbanos:através dos espaços da cidade
A
cidade é uma experiência visual, como nesta vista aérea de Mogi das
Cruzes, do final da década de 1930, que nos dá uma ideia do traçado
urbano, seus trilhos que formaram trilhas, que se transformaram em ruas
ladeadas por construções , o ir e vir de pessoas, que ocupam as praças,
local das igrejas e edifícios públicos, festas, encontros e
divertimentos como o circo.
Mario
de Andrade já havia se acostumado a reconhecer nos arredores da cidade
de São Paulo, que o passado de nossa cultura estava vivo e se
manifestava principalmente nas danças e festas caboclas. A pauliceia
desvairada havia ficado para trás quando desceu do trem na estação de
Mogi das Cruzes no sábado, 30 de maio de 1936, ao meio dia.
A
equipe do Departamento de Cultura da cidade de São Paulo se preparava
para filmar os festejos do Divino no Largo Bom Jesus, presentes além de
Mario de Andrade, o antropólogo francês Claude Levi-Strauss, que fazia
parte da missão francesa que viera fundar a Universidade de São Paulo e
sua esposa, Dina Strauss que analisava e via nas danças da festa a
formação de companhias de atores, representando cada um determinado
papel. E não estava longe da verdade, pois, era exatamente isso que
aquelas pessoas faziam na congada, cavalhada ou moçambique, ao viver
intensamente a festa.
Ao
lado destes personagens transitórios que passavam por Mogi e se
encantavam com a festa, outros, da própria cidade tinham seu dia a dia
alterado como seu Antenor de Souza Mello que fechava seu armazém na
esquina do Largo por conta da cavalhada.
No
Largo, os cavaleiros dão início a cavalhada, dividem-se em dois grupos
representando mouros e cristãos, entram em disputas, cai um dos cavalos
com o cavaleiro. Ele não volta ao torneio: é ajudado por dois homens, um
deles com algumas lanças na mão. Continuam os movimentos dos cavaleiros
a galope. Um dos cavaleiros dá uma súbita volta com o cavalo, indo
parar em cima da multidão. Veste roupa escura e desapeia. À direita,
alguns tiros (de festim) são dados por cavaleiros vestidos de branco,
junto à assistência. Os cavaleiros, em movimento, batem armas.
Como
pano de fundo destas representações festivas, a paisagem de um passado
ainda vivo: um casario colonial, mostrando a origem portuguesa desta
festa.
Sempre
atento, Mário de Andrade não via apenas esses indícios coloniais, mas
também o avanço irreversível da modernidade, presente na cidade em
transformação.
Processo
semelhante ocorre na educação pública, onde a “escola”, que antes
funcionava na casa dos professores, agora irá constituir-se no espaço
arquitetônico dos grupos escolares, instalados em prédios com uma
identidade voltada para a educação, funcionando o novo prédio escolar em
1914 (Coronel Almeida), com uma arquitetura monumental com a intenção
de sinalizar e simbolizar as finalidades sociais, morais e cívicas da
educação pública, assim como as realizações dos governos republicanos no
Estado de São Paulo.
desenho de criança do II grupo escolar representando a sala de aula e a cidade em 1937
Ato contínuo o segundo grupo escolar funcionou a
partir no início dos anos 30 no Largo Bom Jesus e o aluno Nelson de
Souza Mello assim o descreve em atividade escolar de 1933: “O
prédio escolar – O 2º Grupo Escolar desta cidade está construído dentro
de uma área de terreno de forma retangular, no Largo Bom Jesus.Tem a
frente, a entrada principal a leste ou nascente, no Largo Bom Jesus e a
outra entrada, o portão de recreio, ao norte para a rua Ricardo Vilela. O
recreio fica para o lado do poente ou oeste e dá para terrenos
particulares.1933”
Fora
do perímetro urbano, já na area rural, havia grupo escolar
especificamente construído para funcionar como escola no Núcleo Colonial
de Sabaúna com funcionamento a partir de 1906 e Cocuera no ano de 1936
em prédio cedido pela Sociedade Japonesa.
O
símbolo moderno representado pelo automóvel e as agencias Ford e
Chevrolet instaladas no município, nas novas ruas, largas e apropriadas
para o transito de automóveis que chegavam de São Paulo pela Avenida
Vol. Fernando Pinheiro Franco, com suas bombas de gasolina e ganhavam a
direção do Vale do Paraíba por duas grandes retas ladeando pelo esquerda
a linha ferrea e pelo lado direito a estrada tortuosa mais antiga do
Rio Acima.
Bairros
novos surgiam, desde a segunda década do século XX como atividade
imobiliária, a “nova” Avenida levando para a Vila Santista, na rua
Santana de vias planejadas com “largura de dezesseis metros tendo...instalações de luz elétrica e telefone”.
Nos
jornais eram anunciados novos remédios sintetizados em laboratórios,
como a aspirina da Bayer, junto dos tradicionais xaropes de receitas
caseiras do século XIX e os espaços da cidade agora contavam com locais
onde médicos atendiam em clínicas apropriadas, como o hospital
particular do Dr. Deodato no Largo Bom Jesus (no início de 30) e o
laboratório de análises clínicas com profissionais especializados vindos
da Capital.
A
revolução de 1932 que incorporou na política elementos emocionais
através de imagens e símbolos deixou como herança os festejos de
aniversário da cidade em primeiro de setembro e como um marco físico, o
obelisco que remetia a fundação da cidade, fixado na praça central.
É
desta cidade de feições coloniais, de mudanças e permanências da
primeira metade do século passado, que nos conta Dona Bela Fernandes de
Miranda, nascida em 1923, oitenta e nove anos.
Nasceu
e morou em frente ao largo Bom Jesus até os sete anos de idade e se
lembra da clinica do Dr Deodato e do armazém do seu Antenor, situados no
Largo. O antigo armazém, frequentado pelas crianças que procuravam os
doces caseiros de abóbora, batata doce e cocada dispostos em prateleiras
próprias e os refrescos de groselha e capilé, este último de receita
portuguesa, que constava do manual “O Cozinheiro Moderno” de 1780 e
bastante popular no Brasil até meados do século XX.
Nos
anos 30 Dona Bela se mudou para uma casa ao lado do Largo da Matriz,
onde viveu o tempo da revolução de 1932, com os soldados ocupando as
dependências do grupo escolar onde estudava. Passada a revolução e o
medos de um tempo turbulento e de incertezas para os paulistas, o
cotidiano voltava ao normal na cidade com as idas para a escola e na
volta, já em casa, retirava os sapatos, artigo raro que não podia
estragar.
Depois
da escola as brincadeiras de peteca e pular corda aconteciam na praça
da Matriz onde em 1935 foi inaugurado o obelisco comemorativo do
aniversário da cidade, que aos olhos de uma criança chamava a atenção: “Ninguém podia por a mão no obelisco, parecia um coisa sagrada, uma coisa diferente, havia um respeito ...”
De
1935 em diante o aniversário de Mogi era incorporado aos eventos que
aconteciam em praças e largos da cidade sendo os mais comuns pelas
festas, a Matriz, o Bom Jesus, Carmo e Nossa Senhora do Socorro, esses
os vazios urbanos que recebiam as agitações das atividades concentradas
num mesmo espaço como quermesses, danças e o circo, que nas lembranças
de Dona Bela o que mais lhe despertava interesse era a presença dos
animais.
Das
festas, a imagem mais marcante é a do Divino. Festeira quando
adulta, não consegue evitar um misto de alegria e saudade ao recordar,
da infância e juventude, a imagem das ruas decoradas na Entrada dos
Palmitos quando tudo “era palmito de verdade, não era palmeirinha” e do tortinho que não havia na festa e foi receita trazida de Caçapava, num autentico exemplo de trocas culturais.
A
partir de 1943, formada professora as aulas passaram a fazer parte de
seu dia a dia e os caminhos da cidade a levaram até o distrito de
Sabaúna, onde chegava de trem, ministrava as aulas e voltava de ônibus.
Caminhos da cidade que também, nos momentos de lazer, levavam às
romarias e picnik na gruta Santa Terezinha todo primeiro de Maio ou nos cinemas que eram muitos, espalhados pelas ruas da cidade.