quinta-feira, 3 de março de 2011

Sobre vaga lumes e farofa de iça

Na 5º série do ensino fundamental tem início o aprendizado das temporalidades da História, a reflexão sobre o tempo histórico e os acontecimentos cotidianos, neste contexto, tem um papel importante no conhecimento da historia.
Uma possibilidade é levar o estudante à reflexão histórica a partir do acontecimento.
Hoje a intensa urbanização cobra seu preço e algumas coisas que eram comuns, principalmente nos bairros mais afastados do centro da cidade, estão em vias de desaparecimento ou já não mais existem.
Eram as noites povoadas por pisca-pisca ou vaga-lumes e em certos dias do ano aconteciam as revoadas de iças no Alto do Ipiranga, Jardim Camila, Braz Cubas, Vila Natal e outros bairros.
A iça é a fêmea da formiga saúva e a procura ou a “caça” desta para fazer “farofa” vem de longa data: “A içá torrada venceu todas as resistências, urbanizando-se mesmo, quase tão completamente como a mandioca, o feijão, o milho e a pimenta da terra. (...) Nos meses de setembro e outubro, em que saem aos bandos essas formigas aladas, buscava-as com sofreguidão, nos seus quintais, a gente de São Paulo, e ainda em pleno século XIX, com grande escândalo, para os estudantes forasteiros eram apregoadas elas no centro da cidade.[1]
Segundo o cartunista Maurício de Souza “Pássaros e crianças fazem a festa no tempo da revoada. Em vôos rasantes, os pássaros enchem o papo. Enquanto as crianças, empunhando galhos de árvores, correm atrás e abatem as içás.
A última vez que ‘cacei’ içás, quando ainda menino, foi lá num ‘olho de formigueiro’ atrás da igreja matriz de Santa Isabel, cidade onde nasci.
Iças torradas ou farofa de iça em Mogi das Cruzes, no Vale do Paraíba ou vendida no centro de São Paulo no século XIX, não era o único destino das formigas, pois, na década de 1880 a Casa Jules Martin comercializava formigas vestidas “em costumes da moda”.[2] 

Lampyris noctiluca. Disponível em 
http://pt.wikipedia.org/wiki/Vaga-lume.
Acesso 02 Março 2011.
 A outra diversão era o pisca-pisca. As emissões luminosas dos pirilampos atraiam as crianças que corriam na noite atrás de nuvens de vaga-lumes, para capturar algum, colocar em um pote de vidro ou caixa de fósforos e depois soltar.
As luzes ofuscantes da cidade (a urbanização caótica) fizeram desaparecer a magia da luz dos pirilampos.
Os vaga-lumes ou as revoadas de iças que muitos esperavam para fazer farofa ou paçoca são acontecimentos que se cristalizaram na memória.
Fernand Braudel, historiador francês que estudou a multiplicidade do tempo histórico atribuiu três categorias que se referem a diferentes temporalidades: o tempo dos acontecimentos, de breve duração, o tempo da conjuntura, de média duração (10, 20 ou mais anos) e o tempo de longa duração, o tempo dos séculos e das mudanças lentas ou das permanências.
Dizia Braudel: ”os acontecimentos são como vaga-lumes nas noites brasileiras: brilham, mas não aclaram”.[3] 
São acontecimentos de nossa história pessoal, da sociabilidade do homem comum, de uma história do cotidiano, rica de significados ao estabelecermos relações entre as diversas temporalidades definidas por Braudel.

Notas

[1] HOLANDA, Sérgio Buarque de. Caminhos e Fronteiras.Livraria José Olimpio Editora,RJ,1975, p64.

[2] TEIXEIRA, Dante Martins; PAPAVERO, Nelson; MONNE, Miguel Angel. Insetos em presépios e as "formigas vestidas" de Jules Martin (1832-1906): uma curiosa manufatura paulistana do final do século XIX. An. mus. paul., São Paulo, v. 16, n. 2, Dec. 2008 . Available from . access on 02 Mar. 2011. doi: 10.1590/S0101-47142008000200004.

[3] FREITAS, Marcos Cezar de(org.).Historiografia Brasileira em Perspectiva,editora Contexto,SP,1998,p265

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