domingo, 29 de julho de 2012

Caminhos Antigos X


Senhor Luis:construtor de viola em Santa Isabel.
A solidão dos caminhos, a viola e Deus
Frequentemente escutamos que a viola de dez cordas é o instrumento próprio para tocar “música de raiz”. Mas o que é essa mal definida “música de raiz”? Talvez possamos dizer que é a música produzida no ambiente rural, nas trilhas e estradas do sertão.
E por que a viola de dez cordas é o instrumento próprio para tocá-la?
Porquê esteve presente no Brasil desde os primeiros séculos de colonização e está presente em praticamente todo o território brasileiro, pois, a viola com dez cordas de aço é conhecida por ser do tipo paulista, ou goiana, ou cuiabana, ou litorânea, ou nordestina.
A viola de dez cordas ou cinco cordas duplas existente no Brasil está diretamente ligada às violas tradicionais portuguesas, como a toeira da região de Beira Litoral, viola com doze cordas “de arame”; a braguesa, da região do Minho, com cinco cordas duplas, a mais importante das violas tradicionais portuguesas, usada em bailes de terreiro, romarias e festas; amarantina, do Douro Litoral, semelhante a braguesa com cinco cordas duplas; a beiroa da Beira Baixa, também com cinco cordas duplas de arame, tem além disso, duas pequenas cordas na parte inferior do braço; a campaniça do Baixo Alentejo, maior que as outras este tipo possui quatro cordas duplas e uma tripla.
Com as navegações e a expansão portuguesa, a viola ganhou os mares, primeiro nos Açores com a viola da terra ou dos Açores, aparentada da viola amarantina e depois o Brasil onde as violas de arame penetraram as regiões nas mais diversas formas de diversão – devoção. Festas de terreiro, cantos de trabalho, culto a São Gonçalo do Amarante, Divino Espírito Santo, Folia de Reis, São Benedito e variadas danças (cururu, catira, cateretê).De fácil transporte, as violas acompanharam os homens entrados pelo sertão e qualquer um com bom ouvido, poderia tocá-la de golpe ou de rasgado, apenas com o ritmo da mão direita.
Dada as características da colonização, as violas irão aportar no litoral e mais tarde entrar para o interior da colonia. Em Salvador, por volta de 1682, o pesquisador José Ramos Tinhorão aponta que o poeta Gregório de Matos, conhecido por Boca do Inferno pelo conteúdo de suas poesias, andava sempre acompanhado de uma viola e suas poesias satíricas de conteúdo do dia a dia foram escritas não para serem lidas, mas cantadas e o próprio poeta diz “eu tanjo rasgado...não por pontos”, o que significa “eu toco rasqueado e não ponteado” que são maneiras de tocar viola, tanto aqui no Brasil como em Portugal.
Fosse em cidades, arraiais, vilas, freguesias ou nas estradas com pouso de tropeiros, a viola esteve presente, como nas tropas que passavam por Mogi das Cruzes no início dos anos 1800 em direção ao Vale do Paraíba - Rio de Janeiro onde um tropeiro cantador de nome Cantante estava na lista de pagamentos do dono da tropa ou no pouso da Escada, onde no início dos anos 1830 um juiz advertia algumas mulheres a não fazerem ajuntamento de pessoas em sua casa, viver honestamente a fim de não perturbarem o sossego público com batuques e viola.
Essas andanças do tropeiro foram confirmadas para o sociólogo e estudioso do folclore, Alceu Maynard de Araújo por seu avô, tropeiro que desde 1870 esteve nas trilhas do Rio Grande do Sul a São Paulo e afirmava que nunca vira seus camaradas viajarem sem a viola, que carregavam dentro de um saco.
Esse instrumento, que acompanhou os homens desde o Brasil Colonia, hoje como afirmação de sua presença, exibe 751.000 resultados em busca na internet para as palavras “viola caipirae 21.000 vídeos no youtube para a mesma expressão. Mostra acima de tudo, o vigor de um instrumento com características humanas, afinal as partes de uma viola são: o braço, boca, cintura, orelha (as cravelhas para afinar), costa, pestana e fica doente, resfriada e rouca. Quais seriam as características desse instrumento que se identifica com o tocador?
Formado pela Escola de Sociologia e Política de São Paulo, tendo como professor o etnólogo Herbert Baldus, Maynard De Araújo escreveu em 1959 “Viola Cabocla”, um dos primeiros trabalhos dedicados a este instrumento, onde faz um extenso estudo sobre as características e construção da viola, que naquele momento já se tornava “artigo industrial”, produzido em série. Se de um lado mostrava-se como mercadoria com preço mais acessível, por outro ia se fazendo raro encontrar um “fazedor de violas”.
Mesmo com dificuldade de encontrar artesãos dedicados a fabricação da viola, Maynard Araújo conseguiu em vinte e quatro anos de pesquisas encontrar centenas de informantes, dentre eles um fabricante de Santa Isabel.
As violas feitas de pinho, pinho de riga, cedro e jacarandá, comportavam oito tamanhos que se ajustavam ao gosto do tocador, no entanto, o informante de Santa Isabel dizia fazer somente de três tamanhos”, pequeno, médio e grande, sendo o machete ou machetinho pequeno e assemelhado ao cavaquinho, a média, viola mais procurada e comum e a grande com um metro de comprimento e doze cordas.

Semeando sons no Itapeti
Chegados na pequena oficina do senhor Luis em Santa Isabel, interrompemos uma outra atividade sua que, além de construir violas, fazer consertos em peças de madeira e afiar ferramentas de metal, estava a construir um pilão escavado em tronco de madeira tirada da mata.
Na oficina há uma pequena bancada de trabalho com uma morsa, esmeril, ferramentas diversas para trabalhar com madeira, diversas violas prontas e outras semiprontas.
O senhor Luis conta que existiam em Santa Isabel três fazedores de viola, o Lourenço Carneiro, parente de sua esposa, Claudino Chaves e Israel.
Herdeiro de Lourenço Carneiro, que provavelmente é o mesmo artesão citado por Alceu Maynard de Araújo, o gosto pelo instrumento começou cedo: Quando tinha entre 10 e 11 anos, meu pai, tinha uma viola muito boa, que ajudava a dançar São Gonçalo. Quando eu ia mexer na viola, meu pai ralhava: Não mexe na viola, vai estragar... Aí eu pegava e tornava a guardar a viola e saia chorando: ainda vou fazer uma viola.... E meu pai retrucava. Vai fazer uma viola porcaria nenhuma... Lá em Santa Isabel, viola, só mesmo o Lourenço Carneiro faz...
Pois é, o tempo foi passando, cresci, exerci outros ofícios, mas a idéia ficou gravada! Só depois dos sessenta anos e que comecei a fazer violas.
Apŕendi a consertar instrumentos, as medidas e escalas, sempre procurando um jeito de aplicar melhor os ensinamentos que outros me passavam.
A viola, eu comecei a fazer há mais de vinte anos, quando os violeiros (os fabricantes) mais antigos já eram falecidos e a maior parte das violas encontradas, de fabricação industrial.
Ensinei algumas pessoas a fazê viola, mas é um trabalho muito difícil de se fazer, mesmo marceneiro "oficial" tem dificuldade. Eu mesmo, não sou marceneiro, sou um aventureiro. Pego um trabalho e vou executando ali, pego e faço, sem desenho.
A viola começa com a madeira da frente, as laterais e fundo são cozidas e modeladas na forma. Depois faz o braço, que é encaixado e aí amonta ela. Primeiro a frente, depois as costas e depois vai trabalha com o braço.
Nas violas feitas pelo senhor Luis, chama atenção o desenho que circunda a boca da viola e é um trabalho tão bem feito, uma verdadeira “marchetaria cabocla” que chamou a atenção de um norte americano, que chegou a comprar algumas violas para estudar e tentar compreender os delicados traços do marcheado existente nas violas de Seu Luís. A dificuldade foi que o americano tentou reproduzir este marchetado com máquinas e gabaritos industriais, o que impossibilitou a reconstrução dos motivos encontrados nestas violas. Só muito mais tarde, é que se deu conta de que o “segredo” do marchetado encontrava-se num trabalho meramente artesanal e de filigrana. Seu Luis se diverte ao mostrar a ”máquina” que consiste num pequeno pedaço de madeira com vários pregos onde pacientemente corta com canivete, pequenos e sofisticados pedacinhos de madeira preta e outras brancas que irão formar o desenho, que compreendem a “assinatura” do construtor da viola (como uma impressão digital, só existe aquela), atestando a ligação de seu Luis com Lourenço Carneiro já que a assinatura da viola é a mesma.  Quando prontos, estes pedacinhos serão colados de forma a circundar a boca da viola.
Fiel a mesma técnica de Lourenço Carneiro, seu Luís fabrica três tipos básicos de viola, o que novamente coincide com a pesquisa de Maynard que reporta a existência de 3 tipos de violas isabelenses ou paulistas.
Perguntamos se ainda recebe muitos pedidos para fabricar violas para a dança de São Gonçalo. A resposta é dura: "O grande problema hoje é que o povo, o devoto que Dança São Gonçalo, não tem mais dinheiro para comprar uma viola. O caboclo quer pagar dez reais... Sabe o que nós fazemo com dez reais? Eu não compro nem um surtido. Então o que acontece com as viola? Vai prá fora... As violas senhor Luis hoje podem ser encontradas em Minas, Nazaré Paulista, Atibaia, Barretos, Igaratá, e algumas “semeadas” pelo Itapeti.
Eu tenho mais ou menos uma duzentas violas feitas. A maioria tudo prá fora. E é isso aí, a gente aperfeiçou, fazendo as viola comuns e depois fazendo violas maiores.                                                      
Na verdade é um trabalho manual, de madeira, sem nada de compensado. É um serviço simples.


A viola e as lendas
Viola “pega” mau olhado, fica resfriada se guardar com as cordas viradas para a parede.
Madeira para viola deve ser cortada em meses que não tem R e em lua minguante para não dar caruncho. Viola com caruncho é leprosa.
Viola cura reumatismo e varizes.
O violeiro para tocar bem deve pegar uma cascavel com a mão, retirar o guizo da cobra e guardar na viola.
Outra lenda que existe até hoje é a que fala do pacto que o violeiro faz com o demônio para tocar bem e a respeito disto dizia o poeta Gregório de Matos, em 1668 “...a maior parte destas modas lhe ensina o demônio:porque é ele grande poeta, contrapontista, músico e tocador de viola e sabe inventar modas profanas, para as ensinar àqueles que não temem a Deus”.


Para saber mais
ARAÚJO, Alceu Maynard de. Viola Cabocla, http://www.ntelecom.com.br/users/pcastro4/viola.htm
NEPOMUCENO, Rosa. Musica caipira. Da roça ao rodeio,SP:Ed.34,1999
TINHORÃO, José Ramos. Pequena história da música popular, da modinha a lambada, 6. ed. São Paulo: Art.Editora.1991.
______. História social da música popular brasileira,SP:Ed.34,2002

PODCAST: Entrevista com o senhor Luis www.dialeticacultural.net/podcast


domingo, 22 de julho de 2012

Caminhos Antigos IX



A serra do Itapeti, o secular espantalho, as tropas e as estradas da terra

No inicio do século XX vivia-se a realidade da expansão urbana e da industrialização que exigia a elaboração de uma complexa rede interligando as cidades a partir do centro, da capital. Era o crescimento da malha ferroviária e das estradas de rodagem para conduzir e escoar matéria-prima e bens. Muitas destas “novas” estradas, irão surgir justamente seguindo antigos itinerários e roteiros de tropas de pequenas comunidades rurais.
Um mapa representa uma determinada realidade geográfica, política ou econômica e no contexto de industrialização e urbanização das primeiras décadas do século XX vemos surgir os mapas rodoviários ou de viação.a rodoviário do Estado de São Paulo mostrava, na região de Mogi das Cruzes, a ligação da cidade com São Paulo, Jacareí e Salesópolis, tendo a ligação com esta ultima cidade ficado pronta no período 1919-1921 com subvenção do Estado.
Hoje, quando as estradas importantes da região, como a Mogi Dutra que completa quarenta anos e a Mogi Bertioga trinta, outra estrada menos conhecida, mas outrora importante, a Mogi-Santa Isabel, alcança seus oitenta anos desde sua abertura ao trafego de veículos.
No primeiro semestre de 1932, quando a ligação entre os dois municípios ficou pronta, Mogi das Cruzes contava com trezentos quilômetros de estradas, conservados ou reparados pelos próprios moradores do entorno das vias (como estabelecia o Código de Posturas Municipais), com o auxilio da Prefeitura em relação ao fornecimento de materiais para a realização das obras. Havia no município as seguintes estradas:César de Souza - bairro de Santa Catarina, Ponte Grande-Rio Abaixo, a do bairro do Rodeio que segundo a prefeitura “ficou uma das melhores do município, mantida à expensa dos proprietários circunvizinhos”, do Santo Angelo - Quatinga que dava acesso a linha de trem da São Paulo Railway, no alto da serra do mar e comportava o trânsito de “automóveis de carga e passageiros”, Suzano - rio Tietê e Ponte Grande - Taboão que ficara a cargo da prefeitura arrebentar e retirar pedras que impediam o transito de cargueiros e cavaleiros que transitavam por ela, sendo esta via, importante rota de abastecimento dos produtos destinados ao Mercado Municipal, para consumo diário da população.
Da mesma maneira que a via Ponte Grande - Taboão era importante para escoar a produção do Itapetí, a ligação Mogi - Santa Isabel atravessava, segundo relato da época, a região mais produtiva do município, mobilizando para as obras cerca de duzentos moradores da zona cortada pela estrada que trabalharam gratuitamente por dez dias.
Partindo de veredas seculares por onde transitavam tropas de mulas e que continuavam a servir de caminho para a cidade, pôde a prefeitura na época, abrir uma estrada carroçável a partir de informações de um antigo mogiano conhecedor daquelas paragens.
Finalizada a ligação entre os dois municípios no início de 1932 o relatório da prefeitura dizia:”Considerada intransponível por veículos a serra do Itapeti, já se pode ir de automóvel até sua base oposta ao Tietê, até a vertente do fértil Paraíba” e por fim arrematava que se conseguira vencer, sem maiores dificuldades, “o secular espantalho”.
Lembranças do Itapeti
Não se trata de falar apenas da construção de uma estrada, mas sim de conhecer a circulação das tropas de comercio, negociantes, pessoas diversas e o ir e vir dos habitantes da região.
Para o morador das regiões detrás da serra, havia três maneiras de chegar até Mogi das Cruzes, sendo a primeira pela estrada Mogi - Santa Isabel cujo marco era a gruta Santa Teresinha, a segunda pela Cruz do Século saindo na Ponte Grande e a terceira seguindo onde hoje temos a estrada do Lambari, mas que nos anos 30-40 era um “valão” cortando a mata, por onde os animais andavam e tinha como destino o atual bairro do Rodeio.   
Frequentador destes caminhos durante a juventude o senhor Luis Rodrigues, 86 anos, atual morador de Santa Isabel nos contou sobre os antigos caminhos que ligavam o bairro rural do Taboão ou genericamente “o Tapeti”, com a região central de Mogi das Cruzes, sobre o pouso das tropas às margens do Tietê, nas proximidades do atual Clube Náutico Mogiano e do comércio realizado por estes pequenos produtores rurais.
Nascido em 1926 a sua lembrança alcança o tempo em que tinha oito ou dez anos de idade e vivia no Itapeti, subia na garupa do cavalo junto a seu pai, que era “engordador de porco”, os cargueiros carregados e se punham em marcha para Mogi das Cruzes, levando quatro horas a viagem, dividida da seguinte maneira, duas do local em que morava até a Cruz do Século, onde hoje encontramos as torres de televisão, numa subida íngreme onde carro de boi não passava e mais duas de descida até o pé da serra e depois como destino o pasto onde as tropas de animais ficavam estacionadas antes dos produtos serem levados ao mercado. Havia também um pouso no Rodeio onde os burros descarregavam carvão.
 O transito de carros de boi se tornou possível, tanto para quem vinha para Mogi como para quem subia a serra, justamente a partir da conclusão da Mogi - Santa Isabel que propiciou aos proprietários de armazém, no Taboão e no Itapeti, vir buscar tambores de querosene em Mogi para abastecer os moradores.
Neste mundo do sertão do Itapeti dos anos 30, automóvel era coisa rara e quanto tinha sete anos de idade, o senhor Luis lembra dos tempos em que sua tia ia vender milho, destinado a alimentação de animais cargueiros, para os carvoeiros que haviam comprado vários alqueires de mata virgem no Itapeti e eram proprietários de “um caminhãozinho caixa de fosforo” e se diverte lembrando o espanto das pessoas que comentavam que os “espanhois” haviam comprado “um triste de um caminhão, tem dois pneus atrás”. No final da década de trinta e início de quarenta o trabalho com o carvão foi grande no Itapeti, “serviços da roça” como diz o senhor Luis, pois, além da lida com animais de criação e plantação, havia o trabalho nos fornos de carvão, atividade assim descrita: colocava-se no forno dois a três metros de lenha, deixava fechado queimando por três a quatro dias e para retirar o carvão tinha que ser abaixado porque em pé não se aguentava o calor. No relato a lembrança das matas onde existiam perobas rosa e outras e o lamento do artesão que hoje transforma a madeira em arte ao construir violas.
Para as tropas que chegavam na cidade com mercadorias destinadas ao mercado, havia um pasto destinado aos animais, onde hoje é o Clube Nautico Mogiano e também uma série de “quartos de aluguel” para os tropeiros pousarem enquanto faziam seus negócios.
Todo sábado o pai do senhor Luis, um sitiante chamado José Rodrigues possuidor de oitenta a cem porcos, vinha para Mogi vender frango e os porcos que engordava, levava na volta, farelo para cevar os animais e alguns pedidos de sitiantes que se juntavam em grupo de três ou quatro pessoas para lotar os cargueiros com encomendas como, latas de querosene que vinham encaixotadas na cangalha dos animais, panos, farelo, “compras de armazém” e latas de banha. No Natal as leitoas eram as encomendas preferidas e algumas tinham destino certo, “um juiz de direito que morava perto do Carmo”.
Se traziam as mercadorias para a cidade, as estradas também traziam o povo para as festas e na memória do senhor Luis tem lugar especial as cavalhadas no Largo Bom Jesus porque seu pai era “contra mestre e corredor da cavalhada” do grupo do Taboão com quarenta cavaleiros trajados em azul e vermelho, sendo que havia grupos de Biritiba e outros.
Lembranças que geram lembranças da dureza da vida no sítio marcado pela imagem das pessoas descalças, “tudo trabalhador, tudo descalço” .
Hoje o senhor Luis é um grande construtor de violas de dez cordas, levando adiante uma tradição secular.



Tabela das estradas do município em 1932

Cesar de Souza-Santa Catarina
Ponte Grande-Rio Abaixo
Estrada do Rodeio
Santo Angelo-Quatinga
Ponte Grande-Taboão
Suzano-Rio Tietê
Mogi-Santa Isabel

Código de Posturas Municipais
Era um documento constituído de uma série de artigos normatizadores, que determinava a largura das ruas e calçadas, o comportamento do cidadão, punições, etc. Buscava reger as relações sociais criando regras de conduta para os indivíduos.

segunda-feira, 16 de julho de 2012

E-book Caminhos Antigos Volume I


A Dialética Cultural disponibiliza o primeiro volume da série Caminhos Antigos, contendo artigos publicados entre 15 de Abril de 2012 a 17 de Junho de 2012 em O Diário de Mogi.

Este e-book traz as dez primeiras matérias publicadas no jornal O Diário de Mogi sobre antigos caminhos e modos de vida da região conhecida como Alto Tietê. Presentes alguns, outros desaparecidos, esta série, fruto de trabalho de campo e de pesquisa bibliográfica, procura resgatar os saberes populares desta região do Estado de São Paulo. 
O acesso poderá ser feito através dos seguintes links:
ou
Caso dê preferência pelo download no formato PDF, acesso o portal Dialética Cultural e na aba Publicações, procure por Caminhos Antigos Vol. I.

terça-feira, 10 de julho de 2012

Caminhos Antigos VIII

Divisão política marca a Mogi de 1932

A história oficial nos apresenta o 9 de julho de 1932 como uma luta pela autonomia e constitucionalização do país (daí o nome revolução constitucionalista) ou o Estado de São Paulo unido sem diferenças de classes ou partidos, mas estas são explicações simplistas em vista da complexidade do episódio.
Para procurar entender o que ocorreu em 1932 devemos voltar a 1930 e a revolução que conduziu Getúlio Vargas à presidência, apeando do poder os antigos grupos políticos da Primeira República 1889-1930 (em São Paulo, principalmente os cafeicultores), que perderam autonomia, cargos, privilégios e empregos, em todas as esferas de governo.
Em Mogi das Cruzes, vitoriosa a revolução de 30, o jornal “A Vida”, órgão oficial do Partido Republicano Paulista (PRP), dominante durante a Republica Velha, deixa de circular, sendo imediatamente substituído pela publicação de “O Liberal”, ligado ao diretório municipal do Partido Democrático, que dava sustentação em São Paulo, ao governo de Getúlio Vargas.
Com a notícia da vitória da revolução alguns conflitos de rua são registrados e um episódio marcante, dá a ideia das divisões políticas e lutas na cidade, quando a casa do chefe político local, representante do Partido Republicano Paulista, Dr. Deodato Wertheimer, foi invadida, moveis atirados pela janela e depois incendiados.
Com um novo grupo político no poder, ainda em 1930, instalou-se na cidade a Legião Revolucionaria dedicada a concretizar a revolução em São Paulo, tinha como chefe o general Miguel Costa, antigo revolucionário de 1924 e um dos líderes da Coluna Prestes que desafiara o governo federal cruzando o país em 1925-1926 e agora tomava parte efetiva no governo de Getúlio Vargas.
No início de 1931, Miguel Costa esteve na cidade para solidificar a Legião Revolucionária participando de comício na praça Coronel Almeida. Mobilizando populares nos comícios, com um discurso inovador, defendendo novas ideias como a situação do operário e a legislação trabalhista, “combater o latifúndio particular, os trustes e monopólios e a absorção dos patrimônios nacionais pelos estrangeiros.”A Legião cresceria no Estado, tanto na capital como no interior, direcionando seu discurso para os trabalhadores, tentando criar uma base social, estava articulada em todos os distritos do Estado, e alguns relatos mencionavam a existência de cerca de 17 mil legionários, chegando a 300 mil no Estado em outubro de 1931 durante congresso da Legião.
Esses números causaram reação dos grupos que anteriormente detinham o poder (PRP) e mesmo no Partido Democrático (desde a sua fundação em 1926 disputava a hegemonia estadual com o PRP) que apoiara Getúlio Vargas, mas fora afastado da chefia do governo estadual como pretendia.
Em janeiro de 1932 o Partido Democrático rompeu oficialmente com o governo provisório de Getúlio Vargas e em 16 de fevereiro uniu-se ao antigo rival, o Partido Republicano Paulista, formando a Frente Única Paulista, fazendo campanha em defesa da autonomia estadual e da reconstitucionalização, sendo a Frente Única uma das principais articuladoras da Revolução Constitucionalista.
Argumentos de ordem emocional figuravam no manifesto da Frente Única Paulista, com apelos a “união sagrada dos paulistas”, “não deixar espaços para ressentimentos pessoais...” e na campanha pela constitucionalização a História era utilizada no sentido de legitimar as aspirações das classes dirigentes de retornar ao poder, ao invocar o que seriam façanhas históricas dos paulistas na formação do Brasil, como por exemplo, a Independência, o bandeirante desbravador dos sertões, a descoberta do ouro e o café.
Em Mogi das Cruzes o ano de 1932 começou com uma festa comemorativa no final de janeiro, missa no Largo da Matriz, do aniversario da cidade paulista de São Vicente, a primeira cidade do Brasil. Conduzida pela prefeitura, a festa contou com discurso especialmente elaborado para lembrar a fundação desta cidade, tendo este ato a finalidade de lembrar que a primeira cidade do Brasil foi paulista.
Nos meses seguintes a cidade seguia seu cotidiano normal.
Dia 10 de abril de 1932, um domingo, 5 horas da manhã, a procissão da Ressurreição celebrando o Cristo que ressuscitou encerrava a festa do povo, a Semana Santa de 1932.
Aproximava-se o mês de junho e outros devotos faziam os preparativos para a festa de Santo Antônio, que ao realizar se, tinha como característica os festeiros com o nome Antônio e para o ano seguinte haviam sido escolhidos 13 Antônios para preparar a festa.
Não só as associações religiosas que viviam a Semana Santa e a paixão de Cristo, mas os devotos da Santa Cruz, devotos e festeiros de festas religiosas diversas, também compartilhavam o sentimento de paixão traduzido como emoção, sentimento intenso, entusiasmo ou apego por aquilo que tinha um significado pessoal.
Da mesma forma podemos dizer que este ano de 1932 assistia a manifestação das paixões políticas que conduziriam ao movimento armado de julho de 1932, os ânimos se acirravam, e na cidade era palco de disputas e interesses locais a recém estabelecida Associação Operária de Mogi das Cruzes.
Desde a segunda década do século XX que Mogi das Cruzes possuía um crescente número de operários, principalmente na industria têxtil, sendo que na Indústria Mogiana de Tecidos havia 179 operários, além de ferreiro, mecânico ajustador e carpinteiro, divididos em seções como tecelagem, tinturaria, batedores de carda, caldeiras, fiação, oficina mecânica, etc.
Diante desta realidade em 1931, José de Azevedo Jazedo fundou uma associação de pintores e mais tarde uma associação operária com o objetivo de organizar a classe trabalhadora na cidade, ideia igualmente compartilhada pela Legião Revolucionária, como visto anteriormente.
Na verdade a tensão subia desde 23 de maio quando a sede da Legião Revolucionaria/Partido Popular Paulista fora alvo de protestos e ataques em São Paulo, sendo o protesto dissolvido a tiros fazendo quatro vítimas, Martins, Miragaia, Dráuzio e Camargo ou MMDC.
No início de junho o jornal “O Liberal”, comandado por membros do Partido Democrático, antes apoiador de Getúlio Vargas, agora defensor da causa da Frente Única Paulista investe contra a associação operária de Mogi, dizendo “Operários! É com pesar que presenciamos o desvirtuamento da associação...vendo-os enganados por meia duzia de politiqueiros que não se envergonham de vos lançar as ruas como seu instrumento.” Na edição seguinte com a resposta de Jazedo compreendemos porque há a menção ao “desvirtuamento da associação” ou seja como a Legião Revolucionária que se transformara no Partido Popular Paulista, a Associação Operária pretendia transformar-se em partido político, “um único partido, que seria o partido trabalhista, cujo programa em parte orientaria pontos do partido da Legião Revolucionaria... este partido unicamente trabalhista seria fundado em praça pública.” Segundo a historiadora Maria Helena Capelato “A classe operária é a grande ausente no Movimento de 32... ficou ausente na construção da memória de 32”
Em 10 de julho chegam a cidade os primeiros contingentes de soldados que se alojam no 1º grupo escolar. Receando o conflito iminente, algumas famílias deixam a cidade tomando o caminho dos distritos como Taiaçupeba ou paragens detrás da serra.
Os primeiros voluntários seguem para a frente de batalha, o campo de aviação da cidade ganha um hangar, pois o emprego do avião seria a grande novidade da revolução de 32 e Mogi, na rota do Vale do Paraíba poderia auxiliar com seu campo de aviação. Voluntários se apresentam para cuidar dos enfermos e a Campanha do Ouro para o Bem de São Paulo é organizada, na lista de doadores centenas de pessoas, como Leonor de Oliveira, que doa alianças e Joaquim Flaviano de Mello, com sua coleção de moedas históricas de ouro e cobre.
O Departamento de Propaganda Cívica incorporava as imagens como um fator importante no conflito. O mapa do pintor José Wasth Rodrigues, revela com uma riqueza de detalhes, o brazão das cidades que mais contribuiram ao movimento e as principais rotas (terrestres e aéreas), ligando os diversos municípios com a movimentação das tropas nas três principais frentes.
Cria-se uma nova cartografia, uma imagética de redenção, de apelo aos sentimentos. Com a função de mostrar o sistema viário do Estado, um outro mapa apresenta  o território paulista como uma enfermeira, que num misto de olhar altivo e redentor, evoca o valor do sacrifício. É o que provavelmente condiciona Dona Leonor de Oliveira em suas contribuições: em uma de suas peças doadas, le-se:   Fé, Esperança e Caridade.
No final daquele ano de 1932, o jornal "A Plebe", voz dos operários, cobrava as autoridades paulistas sobre a precariedade da assistência médica, dizendo:"para a guerra havia ouro, para os hospitais não".


Para saber mais
ALMEIDA, Ivete Batista S. O olhar de quem faz. São Paulo durante a revolução de 1932. São Paulo:Ed.Expressa, 2001.
BORGES, Vavy Pacheco. Getúlio Vargas e a oligarquia paulista. São Paulo: Brasiliense, 1979.
CAPELATO, Maria Helena. O movimento de 1932 – A causa paulista. São Paulo:Brasiliense,1981.
FUNDAÇÃO FGV: completo acervo de fotos, artigos e monografias, documentos, entrevistas, etc. sobre a ERA VARGAS e o movimento de 1932. Disponível em  http://cpdoc.fgv.br/.

Criação do Ministério de Trabalho
No período conhecido como Primeira República (1889-1930), alternavam-se como presidentes do país, representantes de São Paulo e Minas Gerais (política do café com leite), e as questões relativas ao mundo do trabalho eram resolvidas pelo Ministério da Agricultura.
O Ministério do Trabalho, Indústria e Comércio, foi criado em 26 de novembro de 1930, numa das primeiras iniciativas do governo chefiado por Getúlio Vargas, após a revolução de 1930.Foi chamado por sua importância de o "ministério da revolução", pois no período anterior a 1930 não existia regulamentações em questões trabalhistas e mediação no conflito entre capital e trabalho, principalmente em uma região industrial como São Paulo.

O Código Eleitoral de 1932
O Código Eleitoral promulgado em 24 de fevereiro de 1932, estabelecia no artigo 142 que o Governo, no decreto em que convocaria os eleitores para a eleição de representantes à constituinte determinaria também “a representação das associações profissionais” ou de classe. Marcava as eleições para maio de 1933.

Fonte das imagens:mapas, Acervo cartografico da Biblioteca Nacional
Jornal:Arquivo Histórico de Mogi das Cruzes

sábado, 7 de julho de 2012

Caminhos Antigos VII


Abelhas no Itapety: natureza e cultura
Nos séculos iniciais de colonização, os portugueses, nas entradas para o sertão, aprenderam com os índios a coletar o mel das abelhas nativas de nossas matas.
Nos caminhos da modernidade, hoje encontramos nas prateleiras de hipermercados e supermercados grande oferta de mel e outros produtos originários de diversos apiários que trabalham em escala industrial e todos ou pelo menos a maioria usam as abelhas de origem européia para produzir o mel que chega para o consumo, sendo que as abelhas nativas, apesar do sabor do mel, foram deixadas de lado em vista da baixa produtividade.
Já dizia Aires de Casal, em 1817, sobre as abelhas brasileiras, que existiam diversas espécies, “mas nenhuma delas se pode comparar com a única européia na utilidade de seu produto. A chamada Ururu é a mais numerosa, e de cor parda. A mumbuca é anegrada. A mandassaia negra e curta. Toda as três são do tamanho da européia. A tupim é menor. A teuba é também pequena e amarelada. A cupineira, assim denominada porque ocupa a casa do cupim, faz bom mel. A tataíra e a saranhó. De todas essas espécies só as duas ultimas são perigosas. A getaí é do tamanho de mosquito, e fabrica um mel muito líquido e delicioso. A caruara é pouco maior. A preguiçosa é do tamanho da getaí e fabrica um mel sem gosto. A denominada mosquitinho é muito pequena e mora no chão. Nenhuma destas espécies fabrica favo como os da Europa.”
Conhecido dos antigos moradores da terra, sertanistas e índios, o mel muitas vezes contribuiu para alimentar aqueles que entravam pelo sertão e a existência de mel nas matas, em grande quantidade, serviu também como mantimento daquele morador que se estabelecia pelos caminhos, sendo, segundo Sergio Buarque de Holanda, hábito entre os caboclos de São Paulo trazer de suas entradas na mata, pedaços de tronco contento abelheiras de mandaçai, ou favos capazes de reprodução e o mesmo autor arrematava com a pergunta, “não constituiria herança indígena?”
Apesar deste costume de “criar” as abelhas, o certo é que após os primeiros séculos de colonização, com o avanço do homem, a ocupação e destruição das florestas, principalmente através das queimadas, contribuíram para o desaparecimento das abelhas nativas, como é exemplo a zona cafeeira do Vale do Paraíba e Oeste paulista, onde a derrubada e queima da mata isolava o café de potenciais agentes polinizadores, como as abelhas, o que diminuiu os rendimentos de 10% a 15%, assim, não só a baixa produtividade contribuiu para o desaparecimento das nativas, mas também a destruição de seu ambiente.
Pensarmos em antigos caminhos, natureza e cultura, nos remete à Claude Lévi-Strauss. É novamente o grande antropólogo que nos fornece indícios sobre as dificuldades no convívio com estas pequenas abelhas ou melíponas:
Irapuá ( Trigona sp). Foto:  W.B. Campodônio
[…] o regime alimentar das melíponas é mais variado do que o das abelhas do Velho Mundo e que elas não desdenham as substâncias de origem animal. […] as melíponas se interessam pelas mais diversas matérias, desde o néctar e o pólen até a carniça, a urina e os excrementos. Não é, portanto, de surpreender que seus méis sejam consideravelmente diferentes dos fabricados pela Apis mellifera quanto à cor, consistência, sabor e composição química. Os méis de melíponas são frequentemente muito escuros, sempre fluidos e cristalizam mal, devido a seu elevado teor de água.
Alguns méis com composição alcalina são, aliás, laxantes e perigosos, alguns, até mesmo embriagantes, como o mel da 'feiticeira', abelha   encontrada no Estado de São Paulo.
Apesar de alguns perigos evidentes, o mel selvagem sempre exerceu enorme fascínio sobre a nossa população tradicional. É ainda o antropólogo que nos diz:
Seja como for, o mel selvagem apresenta para os índios um atrativo que não se compara com o de nenhum outro alimento e que, como notou Ihering, assume um caráter verdadeiramente passional: “O índio... (é) fanático pelo mel-de-pau”.

As abelhas da Serra
Os filhos de José Rubens Batista e Antonia Batista, Marcos Rogério Godoy Batista e Rubens Batista, administram uma área de cerca de 71 alqueires em boa parte constituída por mata nativa. Nesta ilha de vegetação, harmoniza-se uma casa de taipa com aproximadamente 130 anos.
Esta harmonia, vem de uma decisão familiar tomada com o falecido pai em 1990: deixar gradualmente a pecuária e investir na apicultura, na comercialização de mel, própolis e geleia real.
Trabalhar com abelhas implica no compromisso de manter e preservar plantas, flores e animais da região e de procurar expandir a atividade para outros moradores: "As abelhas foi a forma encontrada pela gente para não precisar vender nenhum pedaço da nossa da nossa área. O gado estava em baixa, não conseguíamos mais vender tanto leite e queijo e se não tomássemos providência acabaríamos perdendo, como tantos outros, algum espaço" (O Diário, 1993 :18).
Atualmente, o apiário empenha-se na obtenção de méis de abelhas nativas ou indígenas sem ferrão, assim conhecidas por serem dóceis e não possuírem ferrão. Neste sentido, o Brasil é possuidor de ampla biodiversidade incluindo-se abelhas pertencentes ora a espécies solitárias, ora a espécies sociais: são mais de 300 espécies de meliponídeos identificados no mundo e destas, aproximadamente 200 vivem no Brasil, agrupadas em treze famílias ou subfamílias, destacando-se os gêneros Melipona ( Meli = mel + ponos = trabalho ), literalmente as trabalhadoras com mel e Trigona por apresentarem interesse alimentar. Estas abelhas exercem fundamental importância na polinização e preservação de centenas de espécies vegetais em diversos biomas.
Jatai ( Tetragonisca sp). Foto:  Christiano Figueira
As meliponídeas costumam habitar colonias perenes e a maioria faz ninhos em troncos de árvores, algumas em cupinzeiros, no solo e outras ainda constroem ninhos expostos ou em construções humanas. As espécies mais comuns, encontradas na Serra do Itapeti são: Jataí, Mandaçaia, Irapua e Manduri.
Contudo, a transição da pecuária para a apicultura não foi imediata. Foi um longo aprendizado que consumiu mais de vinte anos de preparativos, aplicação e paciência. No início, a opção pela abelha “europa” (Apis mellifera), levou em consideração sua sustentabilidade e rendimento, transformando-se rapidamente na principal atividade do núcleo familiar.
Entre os meses de setembro e outubro de 1994, a Serra do Itapeti foi vitimada pelo que foi talvez, o maior incêndio florestal já registrado na região. O fogo se estendeu por até 4 dias, destruindo todas as condições de biodiversidade favorável às abelhas indígenas, concorrendo para a sua quase total erradicação. Foi nesse período, que Marcos, seu pai José Rubens e demais familiares, procuraram recuperar parte da vegetação destruída com a distribuição de sementes de espécies nativas e a utilização da abelha “europa”, para a polinização e dispersão em massa desta vegetação. Vinte e cinco colmeias foram instaladas próximas das primeiras florações, de forma a promover a multiplicação destas essências.
Mas isto apenas por um período, pois a abelha “europa”, por sua grande capacidade de reprodução, chega a concorrer com as nativas na busca por alimento. Graças a estas medidas, atualmente observa-se um significativo aumento destas abelhas no Itapeti e consequentemente do início da produção melífera. A técnica é minuciosamente descrita por Marcos:
O projeto de recuperação das abelhas nativas relaciona-se, principalmente, na distribuição de ninhos iscas na mata, em substituição aos ocos das árvores destruídas no incêndio de 1994 (seus habitats naturais). Procedeu-se desta forma para evitar o abate de novas árvores pela remoção predatória de méis e enxames por melicultores.
“Fizemos várias “iscas” para a captura dos enxames feitas com “taquara gigante”. Muito embora os técnicos recomendem garrafas PET, achamos agressivas ao ambiente. Os gomos são abertos e vaporizados com uma mistura de própolis e cera de mais de 8 tipos de espécies de abelhas indígenas, deixando-se apenas uma pequena abertura para a entrada do enxame, onde se insere um pequeno cotovelo de PVC, com a extremidade interna voltada para cima, o que fornece ao conjunto, o aspecto de um cachimbo. Isso é feito para evitar a entrada de água e servir simultaneamente de passagem para as abelhas.
Em três anos de atividade, foram distribuídos mais de 100 ninhos iscas em vários pontos da Serra, sendo que apenas 25% nidificaram. O motivo, deve-se provavelmente à falta mundial de mel, fenômeno que vem ocorrendo nestes últimos quatro anos. Das iscas que nidificaram, 10 são da espécie Jatai, 4 de Mandaçaia, 2 Irapuã e 1 de Manduri. O restante foi nidificado por formigas e vespas ou sofreram ataques de outros animais. De acordo com a espécie, fabricamos diversos modelos de colmeias, como a Jatai e Mandassaia. Uma abelha em extinção, que temos encontrado na região do “serramar” é a urupum, muito bonita, com coloração café com leite.”
Pela polinização com esse tipo de abelhas garante-se a qualidade vegetativa dos ecossistemas, em função da melhoria e aumento da quantidade de frutos e sementes, e essa por sua vez, na condição de alimentação farta, abrigo e locais de nidificação de outras espécies de abelhas, mas também animais e aves.
A lida com as abelhas indígenas, significa uma série constante de viagens para a localização de enxames e troca de experiências com outros apicultores. É necessariamente uma atividade colaborativa, autossustentável, não predatória e educativa. Por exemplo, as abelhas do gênero Apis são grandes, não conseguindo polinizar determinados tipos de florações. Já as abelhas indígenas são em geral bem menores e por isso mesmo, capazes de uma faixa muito mais ampla de polinização.
Quero devolver à Serra do Itapeti o que já existia no passado, o que há de mais precioso e importante para o seu ecossistema: as abelhas sem ferrão, concorrendo desta forma a transformar a região em um santuário ecológico e simultaneamente estimular esta atividade para outros melicultores desta e demais regiões.
Duas características recomendam uma visita ao Apiário Cruzeiro do Sul: uma conversa informal com o apicultor, que consiste em uma verdadeira aula sobre a natureza destas pequenas e preciosas abelhas nativas e conhecer o trecho original do antigo Caminho do Lambari, que conduzia tropas de muares e mercadorias de Santa Isabel e Itapeti para a região Central de Mogi das Cruzes. O caminho, na verdade o valão da antiga trilha, permite antever remanescentes vegetais de uma floresta bem conservada e, ao estender-se rumo ao Bairro do Rodeio, verificar os estragos provocados por uma ocupação desenfreada.
Abelhas Indígenas Brasileiras
Nome Popular                           Nome Científico
Abelha do cupim                       Aparatrigona impunctata
Feiticeira                                   Trigona recursa (Holmberg)
Irai                                            Nannotrigona testaceicornis (Lepeletier)
Irapuá                                       Trigona spinipes (Fabricius)
Jandaira                                     Melipona subnitida
Jatai                                          Tetragonisca angustula angustula
Lábios de morena                      Leurotrigona pusila
Mandaçaia                                Melipona quadrifasciata quadrifasciata
Manduri                                    Melipona marginata carioca
Moça branca ou mosquito         Frieseomelita tricocerata
Moça preta                               Frieseomelitta silvestrii (Friese, 1902)
Mombuca carniceira                 Trigona hypogea (Silvestri)
Uruçu amarela preguiçosa         Melipona puncticollis 



FONTES:

TORRES, Marco Aurelio Silveira. Apis Guia. Disponível em  http://www.apisguia.com.br/?pagina=abelha_lsg&id=40.
CAMPODONIO, W.B. Macro - Abelha preta (arapuá). Flickr. Disponível em http://www.flickr.com/photos/wagnerbacciotti/4343201027/. Acesso 07 Maio 2012.

Para saber mais
FIGUEIRA, C. Abelhas do Brasil. Disponível em http://abelhasdobrasil.blogspot.com.br/2011_06_01_archive.html. Acesso 07 Maio 2012.
HOLANDA, S.B. de. Caminhos e Fronteiras. 2. ed. Rio de Janeiro: Liravia José Olympio, 1975.
LÉVI-STRAUSS, C. Do mel às cinzas. Sao Paulo: Cosac e Naify, 2005.
MIRANDA, Adriana. Serra, motivo de orgulho para a cidade. O Diário. Suplemento Especial. Mogi das Cruzes, 01 de Setembro de 1993, pg. 18.
TAUNAY, Visconde de. Céus e Terras do Brasil. 7. ed. Rio de Janeiro: Francisco Alves, 1930.
Podcast: veja em <www.dialeticacultural.net/podcast> a entrevista com Marcos Batista: uma verdadeira aula de apicultura caipira!