sábado, 21 de abril de 2012

Caminhos Antigos I

A Estrada Real e outros caminhos no Alto Tietê (1)
As Estradas Reais caracterizam o primeiro ciclo de ocupação do continente americano pela coroa espanhola e portuguesa, alcançando desde a América Setentrional até a América Meridional. São tantas, que este fenômeno não passou despercebido por Izabel Allende, ao ironizar a dificuldade de se posicionar na Califórnia setecentista, uma vez que na antiga colônia espanhola, qualquer estrada que conduz a qualquer lugar é chamada por Estrada Real.
Em território brasileiro, um dos problemas em melhor compreender estas vias, consiste nos vários ciclos de expansão e desenvolvimento que perpassam mais de quatrocentos anos  de constantes ocupações, edificações e demais intervenções. Outra questão polêmica é optarmos por qual ótica olhar para o país: se do ponto de vista dos grandes ciclos econômicos, uma ótica hegemônica que reduz o território praticamente a uma única matriz econômica, excluindo regiões afastadas deste ciclo. Por exemplo, se pensarmos o país do ponto de vista dos senhores de engenho, pensamos apenas em senhores e escravos e na estrutura decorrente. No entanto nos esquecemos da existência de inúmeros grupos sociais que não se enquadravam nesta categoria, e que por isso mesmo, desenvolviam estratégias de sobrevivência próprias, alinhadas ao sistema colonial.
Neste sentido os caminhos que cruzavam a serra do Itapeti e desembocavam na Estrada Geral ou passavam pelo Alto da Serra do Mar no Campo Grande e vinham para Mogi das Cruzes ou de Mogi seguia para São José do Paraitinga e daí para o litoral, enfim, todos eles abrigaram desde tempos coloniais o morador do sertão, o roceiro ou caboclo que além dos alimentos básicos para a família, produziam algum excedente que abastecia, pelas muitas veredas, picadas ou caminhos, os arraiais e vilas.
Plantava-se a mandioca, feijão, arroz, cana e milho, havia a farinha de milho ou de mandioca e segundo Sebastião da Rocha Pita, no século XVIII, havia também nas roças “os quiabos, os jilós e os maxixes, as largas taiobas... as cheirosas pimentas de muitas espécies e cores que servem ao gosto, ao olfato e a vista.”
Nos caminhos antigos há uma memória de uma formação histórica regional onde podemos aprender e apreender a circulação de tropas de comercio, negociantes e pessoas diversas, o ir e vir de viajantes, dos habitantes da região, enfim dos que deram vida ao local.
Portanto em relação às representações cartográficas temos uma situação onde a partir de meados do século XVIII houve a necessidade de conhecer melhor o território do Império português, por conta das disputas territoriais com a Espanha e medidas foram implementadas no sentido de levantamento nominativo das populações e produção cartográfica do território português.
No início do século XIX (1817), esse conhecimento cartográfico foi materializado no Guia de Caminhantes, retratando as povoações e ca(1)minhos que cortavam o território brasileiro.
Desta maneira, consultando o Guia de Caminhantes, mapas mais antigos e documentos relativos a ocupação territorial da população, retrataremos os caminhos antigos em Mogi das Cruzes e estes mesmos caminhos nos dias de hoje retratados em mapas digitais, fotos, entrevistas com habitantes das localidades e infraestrutura que estes locais possuem ou não. Conhecer quem era e quem é o habitante dos caminhos antigos e atuais.
Hoje ao lado das transformações que o tempo trouxe e onde muita coisa mudou, foi destruída ou esquecida, existe ainda neste mundo, ao mesmo tempo rural e urbano, muitos saberes e viveres o que torna possível, senão obrigatória no Alto Tietê, refazer esses caminhos, conversar com moradores, documentar para preservar o que ainda persiste e registrar o que está por desaparecer, relembrando o que fez Mário de Andrade em Turista Aprendiz e nos Inquéritos Folclóricos ( neste ultimo, vinte destinatários em Mogi, entre eles Leonor de Oliveira Mello e Gabriel Pereira, ajudaram a criar uma base investigativa baseada no levantamento das principais ocorrências folclóricas no Alto Tietê, criando uma tipologia para danças, alimentação, benzimentos e simpatias) o percurso do projeto apresentado se dará através da coleta, registro e de divulgação de informação e imagens.
Nos dias de publicação será apresentado um mapa antigo com a representação da região a ser tratada, explicando a origem do mapa, ano de publicação, contexto em que está inserido o mapa e como nos dias de hoje esta mesma região se encontra ocupada quanto a habitantes, seus costumes, etc.
O Guia de Caminhantes, publicado em 1817, verdadeiro guia de viajante, mostra um local, que outrora fora aldeamento de índios, e como freguesia era parada obrigatória de tropas e viajantes que circulavam pela Estrada Real, ou seja, a Freguesia da Escada localizada perto da divisa do traçado de 66 quilômetros que passava pela cidade de Mogi das Cruzes até Jacareí. Saindo de Mogi das Cruzes em direção ao Vale do Paraíba os caminhos ganhavam contornos em relatório do século XIX:“Em seguimento d’esta estrada até a Fazenda do Carmo em Sabaúna (até a Freguesia da Escada) necessita ser reparado de enxada em partes aterrar alguns lugares e dar esgotos necessários as águas roçar todo o mato que em partes já para o transito(...) alargala em partes até vinte p(1)almos pois lugares há que mal passam dois cargueiros (...)como também levantarem-se alguns pequenos aterrados, e pontes, para fazer correr as águas ”.
A importância das obras era justificada pelo “... grande transito de tropas de café, não só desta Villa, como das vilas vizinhas que por Ela exportam e importam os gêneros de seu consumo, as tropas soltas, Boiadas, que por Ela transitam no tempo da Feira e os recursos que todos os viajantes encontrão neste Município tão antigo e conhecido por todos...”.
Como um ponto de atração, hoje a Freguesia da Escada continua recebendo centenas de viajantes que vem em busca de um fim de semana tranquilo ou conhecer aspectos do Brasil Colônia, materializados na Igreja do século XVII, tombada por órgãos de proteção do patrimônio histórico.
Essa conservação do passado, além da contribuição dos órgãos oficiais de tombamento, se deve a população local que através dos anos tem como marco e identidade as características do local, principalmente na figura de Dona Luíza Leme de Almeida, 89 anos, nascida a 13 de maio, que conta a história da Freguesia da Escada desde pelo menos 1933, quando tinha 10 anos e se lembra da passagem de tropas, os cuidados que sua mãe tinha com a Igreja e antes dela seus antepassados, que hoje se encontram enterrados no antigo cemitério da Freguesia que, cercado por mato e sem os túmulos identificando que aquele espaço foi outrora benzido como solo sagrado, está segundo outros moradores, demarcado em lotes para serem vendidos.
Em época de festa, e não eram poucas, os caminhos do Itapeti levavam à Escada, que presenciava bandas de música, toques de viola e a presença constante dos “lambarianos”, gente do bairro do Lambari, ou mais genericamente, da serra.Tinha uma concorrida festa do Divino e além das tradicionais festas de Nossa Senhora da Escada e São Longuinho, onde sua mãe zelava pela arrumação da Igreja exercendo também a função de cafeleira, todos os meses do ano eram preenchidos, na lembrança de Dona Luiza, com outros encontros festivos sempre regados a café com biscoito nas capelas de Santa Cruz das redondezas como por exemplo Santa cruz de São Benedito, Santa Cruz do Bambu e muitas mais que hoje não existem e tempo não sobrava para sair muito longe.As amizades e o local eram vividos intensamente.
Uma coisa diferencia as festas de ontem e de hoje, antes os “lambarianos” ou quem quer que fosse, viviam a mesma realidade e estavam todos ali presentes atraídos pela festa de devoção e alguma oportunidade de diversão estreitando laços de solidariedade com iguais. Hoje temos a festa de diversão

(1) Reportagem publicada em O Diário de Mogi, Caderno Cidades, em 15 de Abril de 2012.
Fonte:
SANT'ANNA, Anastácio de.Guia de Caminhantes(1), 1817. Biblioteca Nacional.

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