sexta-feira, 13 de dezembro de 2013

Caminhos Antigos XXVI


Vista do centro de Sabaúna (sede do antigo núcleo colonial)

O cotidiano dos imigrantes em Sabaúna no final do século XIX

Com a Lei de Terras de 1850, a fazenda Sabaúna que proporcionava o sustento do convento dos padres do Carmo em Mogi das Cruzes, iria ter outro destino.

Essa lei estabelecia que as aquisições de terra somente se dessem por compra e a questão da imigração aparecia em seu texto: “O governo fica autorizado a mandar vir anualmente à custa do Tesouro certo número de colonos livres para serem empregados pelo tempo que for marcado em estabelecimentos agrícolas...ou na formação de colônias nos lugares em que estas mais convieram”.

Lotes urbanos (centro da planta) e rurais

Regulamentada em 1854, definia as características de um núcleo colonial ao estabelecer lotes urbanos e rurais, traçado de ruas e praças com “regularidade e formosura das povoações.”

Em 1876 é organizado o órgão especifico para cuidar das questões de terra e colonização com a função (entre outras), de “fundação de povoações e distritos coloniais.”

Estava aberto o caminho para os imigrantes estabelecerem-se em núcleos coloniais e a pequena propriedade era a “isca” para atrailos.

Corria o ano de 1887 que registrou o maior número de entrada de imigrantes durante o Império, tendo a Província de São Paulo recebido 32 mil deles e diante desta situação o Ministério da Agricultura estabelecia, no mesmo ano, a criação de núcleos ao norte da Província (Vale do Paraíba), tendo sido autorizado “em terrenos adquiridos da Ordem Carmelitana entre as estações de Mogi das Cruzes e Guararema”, o funcionamento de um dos diversos núcleos. Os outros na cidade de Jacareí (núcleo fazenda Boa Vista) e Quiririm em Taubaté.

Conforme diz o sociólogo José de Souza Martins em Subúrbio, “O espaço adequado da colonização era, ... o que viabilizava uma sociedade de pequenos produtores de mercadorias. Nesse sentido, o local dessa sociedade acabará por ser um local satelitizado pela cidade, dela próximo ou dependente”.


Chegam os imigrantes em busca da “terra prometida".

No contexto das políticas imigratórias, as propostas seduzem imigrantes italianos, espanhóis, portugueses, etc., atraídos pela propaganda que parecia lhes concretizar um sonho.

O discurso sobre o espaço a ser conquistado incutia no imigrante a “imagem” do lugar que ele ocuparia, expondo as vantagens que ele encontraria, sendo possível a sua sobrevivência e a constituição daquilo que ele perdia em seu país natal.

Dar condições aos imigrantes de acesso a terra depois de ter acumulado algum dinheiro na fazenda de café ou de outro modo, fazia dos projetos de criação de pequena propriedade uma “isca” para atrair imigrantes. Isca porque as terras, impróprias para a atividade dominante no setor econômico voltada para a exportação (café), seriam valorizadas, ao mesmo tempo em que cidades próximas seriam abastecidas com produtos oriundos da agricultura.

Para o imigrante que se dirigia para o Brasil, ser dono de um pedaço de terra, trabalhar nela e tirar o sustento da família, era o seu ideal máximo. Em toda a Europa a situação era de crise e, para exemplificar, na região do Vêneto na Itália, a produção cobria as necessidades de sustento da família apenas durante meio ano, portanto, havia a necessidade de emigrar procurando melhores condições de vida, o que era reforçado pela propaganda enganosa.

Na propaganda de arregimentação do imigrante realizada na Europa, em 1884, o agente Gaetano Pinto estava autorizado a prometer aos imigrantes “além de passagem gratuita do porto de desembarque à sede da residência escolhida, terra, sementes, alimentos, por mais de seis meses, poderiam tornar-se proprietários assim que tivessem dado provas de estabelecimento fixo”.
Comparação foto aérea atual e planta 1906

Outro exemplo é o Guia de Emigrante para o Império do Brasil, escrito pelo Inspetor Geral de Terras e Colonizações, Accioli de Vasconcelos, em 1884: “A boa qualidade das terras que lhe são distribuídas, os recursos que encontra para a venda dos seus produtos, já nos caminhos que rodeiam seu lote, já nas vizinhanças das povoações por onde passam as estradas gerais... tudo concorre para que o imigrante possa efetuar muito suavemente o resgate de sua dívida, obtendo o desejado título que o leva a dono absoluto de seu lote”.

Mas a realidade era outra, a qualidade das terras era questionada em relatório de inspetor de terras e colonização: ”o solo coberto de pastos nativos e inçados de cupins...indica terras cansadas ou de má qualidade.”

Dividido os lotes rurais em 1º, 2º, e 3º distritos, o Estado reconhecia serem de má qualidade as terras do 2° e 3º distritos, reduzindo em 40% o preço de venda inicialmente fixado. Ao colono era distribuído um composto químico de adubação conhecido como Liebig, no entanto, sem orientação técnica seu efeito era nulo.
Planta do núcleo com os três distritos 1906

O título provisório de propriedade dependia do julgamento e parecer do encarregado que se deslocava pelo núcleo informando sobre atitudes, moral, trabalho, composição familiar dos colonos, informações como “este colono é insubordinado” ou “é dos grevistas do tempo do ex-encarregado”. Esta informação dada pelo encarregado poderia decidir se o colono ficaria ou não no núcleo, podendo ser excluído pelo presidente da Província e seu lote colocado à venda.

Ao mesmo tempo as ações coletivas dos colonos foram fundamentais para solucionar problemas como a falta de caminhos entre as centenas de lotes rurais dos três distritos projetados, sendo que, após os quatro anos iniciais do núcleo de Sabaúna, ainda não havia a demarcação completa dos lotes urbanos ou, em outro caso, dotar o núcleo de uma estação para escoar os produtos, após as reivindicações que resultaram em uma comissão para tratar do assunto junto ao governo do Estado, em 1892.

As ações e a organização dos colonos negavam as facilidades propagandeadas na Europa.

Saúde, Alimentação e Moradia

Nos anos iniciais do núcleo (1889-1893) quando se estabeleceram as primeiras levas de colonos, a farmácia existente era requisitada para curativos imediatos e consumia em alguns casos o que pode receber o nome de alimentação reconstituinte.

O médico visitava a colônia e registrava sua presença em livro próprio nos anos de 1891,92,93 depois, problemas com saúde eram tratados na cidade de Mogi das Cruzes ou na Santa Casa de São Paulo, com passagens de colonos pela Hospedaria dos Imigrantes. Nos anos iniciais os remédios obtidos na farmácia e debitados nas contas dos colonos mostram o tipo dos medicamentos.

Na farmácia os colonos pegavam água florida, vidro para curativo dos olhos, remédio para queimaduras, vaselina e vaselina canforada para batidas, remédios para suador usado contra a febre, hydrolito de Ailco que era água destilada e álcool e segundo a medicina tinha apenas efeito psicológico.

Mostrando o estado em que se encontrava a saúde dos colonos constava de seus gastos a alimentação que se compunha de produtos que eram utilizados para recomposição alimentar. Consumiam-se vinho quinado, vinho de Peptona elemento obtido em laboratório químico e usado para alimentação reconstituinte, farinha de mayzena feita de amido de milho e utilizada para fazer mingau, potes de Bismuth e finalmente a farinha Láctea cujos “poderes” eram ressaltados em anuncio do jornal A Província de São Paulo em 02 de julho de 1876 sob o titulo AMA de LEITE :“Farinha Láctea Nestlé- O trigo, sendo um dos melhores alimentos que o homem possui, o Sr Nestlé procurou usar do trigo a parte mais indigesta para oferecer aos estômagos os mais debilitados uma nutrição mais assimilável, debaixo do menor volume possível. A farinha de trigo, assim cientificamente preparada muida o melhor leite da Suíça tem constituído um alimento incomparável.”

A alimentação cotidiana fornecida e debitada para os colonos era composta de milho, feijão e, às vezes batata. Utensílios para cozinha eram fornecidos e cobrados como a caçarola, chaleira, caldeirão e instrumentos para trabalho na terra.

As casas eram construídas por conta dos colonos que recebiam os materiais do Estado para débito em suas contas. Eram feitas com tijolos oriundos de olarias na região da colônia e de fora do núcleo vinham as portas para a casa, pregos, telhas, fechaduras e vigotas para janela.

Também constava do material de construção o item, folhas de zinco, que poderia ser utilizado na cobertura de um barracão, chiqueiro ou galinheiro conforme a criação a que se dedicassem.

O nucleo irá se desenvolver e crescer em torno da auto organização dos colonos, seja com abaixo assinados para cancelamento de dívidas, com a produção de novos cultivos, seja na ajuda entre colonos com a Cooperativa de Socorros Mutuo de Sabaúna, o que faz com que imigrantes continuem a chegar no início do século XX, saindo de uma Europa onde a I Guerra Mundial se aproximava.

Em carta de chamada os filhos em Sabaúna, os pais em Zaragoza, Espanha, esperavam se unir:”Sabaúna-1912.Queridos pais, saúde lhes desejamos em companhia de toda familia...escrevam dizendo se embarcam no dia 8 de agosto ou 28 para esperalos em Santos...se não venderam e não fizer falta vender tragam os colchões que aqui fazem muita falta...não demorem...e vocês recebam o coração desses filhos e netos que os querem de todo o coração e os esperam com muita saudade por que os dias parecem anos.”
Carta de chamada Sabaúna 1912


Lei de Terras 1850

Ao contrario da política de terras do Brasil Colônia, onde a Coroa portuguesa concedia terras condicionadas à sua ocupação (sesmarias), a Lei de Terras do Império do Brasil (lei nº601) estabelecia uma nova política quando da ocupação de terras devolutas a partir de compra.

Esta nova política esteve intimamente ligada à imigração como forma de trazer imigrantes como trabalhadores nas grandes fazendas de café ou em núcleos coloniais abastecedores das cidades. Na expressão consagrada pelo sociólogo José de Souza Martins, o trabalhador colocava-se sob o “cativeiro da terra”.


Fontes

Arquivo do Estado de São Paulo, Livro de conta dos imigrantes 1890 – 1893, caixas Sabaúna

Relatórios:Inspetoria Geral de Terras e Colonização


Para saber mais:


ALVIM, Zuleica M. F. – Brava Gente, São Paulo , Brasiliense, 1986

MARTINS, José de Souza – O cativeiro da Terra, São Paulo, Hucitec – 1989

MARTINS, José de Souza – Subúrbio, São Paulo, Hucitec – 1992

NANNI, Ângelo E.N, Entre o sonho e a realidade: a constituição do núcleo colonial de Sabaúna.

PETRONE, Maria T.S. – O imigrante e a pequena propriedade, São Paulo, Brasiliense – 1985

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