domingo, 1 de dezembro de 2013

Caminhos Antigos XXIV

Pelos morros dos sete pecados mortais até Nossa Senhora da Escada

Páteo da Freguesia da Escada, outrora aldeamento indígena
Distante de Mogi das Cruzes alguns quilômetros, em direção a Guararema, encontramos um lugar chamado Freguesia da Escada.
Nossa história começa quando caminhos, fazendas e habitações começam a figurar na paisagem da região da Freguesia da Escada.
Desde que fora descoberto ouro nas Minas Gerais e esta capitania tornou-se um dos centros de interesse na colônia, o caminho do Vale do Paraíba, subindo a Mantiqueira, era o mais utilizado e dele já se dava o roteiro ao descrever, no início do século XVIII, a etapa Mogi das Cruzes - Jacareí citando o ribeirão Guararema ladeando o caminho que seguia até a Escada.
cadeirinha de transporte
Em 1717, no diário de viagem do conde de Assumar a utilização do caminho entre Mogi das Cruzes e Jacareí para ganhar o Vale do Paraíba e daí rumarem em direção às Minas Gerais é descrito relatando as dificuldades do terreno. Acompanhado somente do Capitão -Mor da vila de Mogi, Sua Excelência, o Governador caminhou cinco léguas, sempre em cadeirinha e por caminho muito ruim.(1) E depois de passarem por sete morros, conhecidos como os sete pecados mortais chegaram a uma aldeia de índios de El Rei, sob a invocação de Nossa Senhora da Escada e administrada por uma pessoa nomeada pelo governador.
Na verdade a aldeia de índios de El Rei, citada neste relato, era um aldeamento povoado por indígenas transportados para esta região por iniciativa particular, ficando o local sob a invocação de Nossa Senhora da Escada conhecido como Aldeamento da Escada. A expressão aldeamento é utilizada pelo geógrafo Pasquale Petrone para definir núcleos de habitação com origem religiosa ou leiga, que foram criados, diferente dos espontâneos como as aldeias indígenas, pois, “implica a própria noção de processo de criação de núcleos ou aglomerados, portanto, inclusive, a idéia de núcleo criado conscientemente, fruto de intenção objetiva” dentro do processo de colonização do Brasil.
Fundado por iniciativa privada na primeira metade do século XVII, este aldeamento fazia parte das Aldeias do Padroado Real, sendo regidos por seculares e passando em 1735 para a administração dos franciscanos.
Segundo o historiador Boris Fausto a Igreja “tinha em suas mãos a educação das pessoas e o controle das almas, na vida diária era um instrumento muito eficaz para veicular a idéia geral de obediência e, em especial, a de obediência ao poder do Estado. Na atividade do dia a dia, silenciosamente e às vezes com pompa, a Igreja tratou de cumprir sua missão de converter índios e negros, e de inculcar na população a obediência a seus preceitos, assim como aos preceitos do Estado”.
Além das atividades do clero secular, Boris Fausto define a atuação do clero regular que são as ordens religiosas. “A maior autonomia das ordens dos franciscanos, mercedários, beneditinos, carmelitas e principalmente jesuítas resultou em várias circunstâncias. Elas obedeciam às regras próprias de cada instituição e tinham uma política definida com relação a questões vitais da colonização, como a indígena. Além disso, na medida em que se tornaram proprietários de grandes extensões de terra e empreendimentos agrícolas, as ordens religiosas não dependiam da Coroa para sua sobrevivência”.
As ordens religiosas assentavam-se na região, intensificando a ocupação de terras a partir da vila de Mogi das Cruzes e em direção ao Vale do Paraíba, deste modo, são agregadas mais terras obtidas por sesmaria em 1744 e concedida aos índios da aldeia de Nossa Senhora da Escada sob  administração dos padres de São Francisco onde a gleba constava de “uma légua de terras na frente da dita aldea pelo sertão a dentro a saber do ribeirão do Coronel até a pedra que chamam de Itapema”
Com a crescente expansão da colonização, os aldeamentos ganharam importância enquanto núcleos habitados por indígenas os quais se viam compelidos a trabalhar nos espaços de posses de colonos. Como declarava em seu testamento um sitiante da região em 1703, que dizia ter ”um escravo por moça se acha com um filho macho. Possuímos de nosso serviço sete almas de cabelo corredio”.A proximidade destes dois tipos sociais (colonos e índios) resultou na subordinação do indígena ao colono. A partir do século XVIII os aldeamentos “constituíram-se na mais importante reserva de mão de obra que a administração podia utilizar livremente...especialmente a partir do governo de Morgado de Mateus...que passou a empregar maciçamente o serviço dos indígenas aldeados” dizia Petrone.
Além dos trabalhos junto aos colonos a administração pública também impunha aos indígenas aldeados na Escada trabalhos na abertura dos caminhos para o “Cubatão de Santos” e para o Rio de Janeiro.
Os colonos utilizavam os índios como jornaleiros (trabalhadores por jornada). Era um contato que se estendia além do trabalho individual, envolvia a família indígena e mostrava outro grau de submissão: a desintegração da cultura indígena, o que se revelava em situações como a que indicava o padre superior da Escada ao pedir para as autoridades “sustar o caso envolvendo duas indígenas e moradores vizinhos”.
Em outro relato de viajante, o conde de Azambuja (1751), é possível também notar, além dos aspectos físicos do relevo da região, outro aspecto marcante do trabalho no aldeamento, ou seja, existência de matéria prima que possibilitava o trabalho com o barro.Dizia o relato: “...todo caminho é por morro mui alto, muito apique, e de uma qualidade de barro como sabão, quando chove”.
Freguesia da Escada retratada por Thomas Ender 1817
A partir desta realidade se dá a organização da profissão do oleiro, pois o trabalho com o barro e os instrumentos para moldá-lo caracterizam o artesão da região como constatado em documento onde há referência explicita a esta atividade quando um morador da “Capella de N. Sra da Escada” cobrava dívida de “uma thesoira que lhe imprestou e de uma porção de Barro que lhe comprou” ou onde os moradores da Escada referem-se no início do século XIX a um lugar chamado “barreiro” utilizado de forma comunitária por várias famílias para produzir “loiças”, para uso próprio ou para vender, dizendo: “São o pobres Indígenas moradores junto a esta Capela de N. S. da Escada (seguem quatorze nomes e famílias), assim todos Moradores de dentro do pateo como de longe, que desde sua criação, foram senhores, de um lugar chamado Barreiro, onde todos procuram o Barro para fazer louça, para a serventia de suas casas como donde tiram algum dinheiro”.
No século XIX vários viajantes como Spix, Martius, e Saint Hilaire, nos levam a conhecer mais das feições da população e a finalidade que este espaço fora adquirindo.
Cafusa 1817
A viagem de Spix e Martius realizou-se em 1817, percorrendo todo o vale do Paraíba em direção a São Paulo constatou que : ”Na aldeia da Escada, pequena vila três milhas ao sul de Jacareí, situada não distante de um velho Hospício de Carmelitas... Atualmente conta a missão apenas sessenta paroquianos...Pernoitamos em um rancho situado numa planície cercada de matas, pois não podíamos alcançar a vila de Mogi das Cruzes. Nesta região notamos diversas famílias dos chamados cafusos, que são mestiços de negros e índios.
Se no século XVIII grande parte dos aldeamentos apresentava-se em decadência, com o Aldeamento da Escada não seria diferente. No entanto ao transformar os aldeamentos em freguesias abriu-se a possibilidade da instalação de posseiros na região e a desagregação final da vida indígena e seu referencial cultural.
Em 1822 (apenas cinco anos depois da passagem de Spix e Martius), na segunda viagem para São Paulo, August de Saint Hilaire descreveu Nossa Senhora da Escada como outrora aldeia de índios: “Existem tão poucos hoje que não percebi um único nem na cidade nem nos arredores. A maioria das casas cerca uma grande praça e pode-se avaliar quanto é pobre pelo fato de que inutilmente pedi aguardente de cana em várias vendas.”
Hoje o aldeamento e os índios tornaram-se lembranças, e agora freguesia, a Escada abriga restaurantes.

(1) A cadeirinha foi um dos meios de transportes mais utilizados no Brasil Colonial, atingindo boa parte do século XIX.
Para saber mais
Spix e Martius - zoólogo e botânico respectivamente, percorreram de 1817 a 1820 o Rio de Janeiro, São Paulo, Minas Gerais, chegando até o vale do Amazonas. Além dos aspectos naturais do país, relataram e retrataram a grande diversidade humana existente. Foram acompanhados pelo pintor Tomas Ender.
Thomas Ender, , pintor austríaco, que acompanhava Spix e Martius retratou uma cafuza entre o aldeamento da Escada e Sabaúna e pintou a freguesia. 
Auguste de Saint Hilaire, naturalista, empreendeu viagens pelo território nacional de 1817 a 1822. Em suas viagens descreveu o aspecto dos lugares onde passou e as condições sociais das populações.
FAUSTO, Boris, História do Brasil, Cia das Letras, SP, 1996
GRIMBERG, Isaac - Viajantes ilustres em Mogi das Cruzes, S.P, Edição do autor, 1992
PETRONE, Pasquale, Aldeamentos paulistas, Edusp, SP, 1995
REIS, Paulo Pereira, Caminhos de penetração da capitania de São Paulo in Anais do Museu Paulistatomo XXXI,1982,S.P.

Fontes
Museu Paulista,SP, "Sesmarias", coleção Arquivo Aguirra
Arquivo Histórico de Mogi das Cruzes, Acervo do Fórum, termo de reconciliação
Arquivo Histórico de Mogi das Cruzes Acervo do Fórum,  termo de conciliação
Fonte da imagen Café História.cadeirinha Disponível em <http://cafehistoria.ning.com/photo/um-dos-meios-de-transporte?xg_source=activity#!/photo/brasil-imperio-escravas?context=user >. Acesso Novembro 2013

2 comentários:

  1. Angelo, boa noite.
    Gostaria de saber se voce tem mais alguma referencia sobre o "hospicio das carmelitas" existente perto da Aldeia da Escada em 1817. Não sabia desta construção e gostaria de saber mais sobre ele. Aguardo contato!
    Atenciosamente,
    Doris Bonini

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  2. Angelo, boa noite.
    Gostaria de saber se voce tem mais alguma referencia sobre o "hospicio das carmelitas" existente perto da Aldeia da Escada em 1817. Não sabia desta construção e gostaria de saber mais sobre ele. Aguardo contato!
    Atenciosamente,
    Doris Bonini

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