domingo, 29 de abril de 2012

Caminhoa Antigos II


As danças dramáticas na serra do Itapety - 1929
Hoje a ocupação da Serra do Itapeti é extensa, se divide em bairros pertencentes a vários municípios, numa diversidade que engloba o Parateí, Taboão, Lambari, Maracatu e outros, pois que a ocupação humana na Serra é centenária, sendo que temos registros gráficos chamados de Cartas Sertanistas (Biblioteca Nacional), possivelmente de meados do século XVIII, que eram mapas feitos pelos homens que adentravam o sertão e mostram a penetração, ocupação do território e a área de São Paulo, Mogi das Cruzes e as serras. Outros registros de ocupação da serra são os de moradia que, por exemplo, mostram no inicio do século XIX em bairro rural denominado Itapeti, como viviam, trabalhavam e o que produziam essas populações rurais.
O cotidiano de trabalho no mundo rural, que envolve o tempo do plantio e da colheita, da lida com os animais, favorece o desenvolvimento de festividades em locais que pode parecer distante para o morador da cidade, mas, acostumados a distancia de moradia de um vizinho para outro, o caboclo não vê problemas e assim os moradores de um bairro rural podem freqüentar outro, mesmo sendo distante, e assim existe uma rede de informações onde mesmo aquele bairro mais afastado sabe o lugar e quando irá acontecer uma festa de devoção com danças, canto e diversão.O mestre da Folia e de São Gonçalo, morador de Salesópolis vinha tocar em festa de Santo Alberto, os Lambarianos (o morador do Lambari) iam constantemente nas festas da Freguesia da Escada
Nas celebrações em homenagem aos santos ou ao espírito santo, as danças constituíam uma de suas principais atrações. Proibidas no período da escravidão, muitas delas, em especial a Congada, o Moçambique e a Marujada conseguiram inserir-se neste contexto.
Verdadeiros bailados populares, estas “danças dramáticas”, no dizer de Mário de Andrade (1937), tem essencialmente uma função religiosa: São expressões do sagrado através das danças como São Gonçalo, Cururu e Congada constituindo um ato de devoção, para com alegria, através da musica, da dança e do canto estabelecer uma comunhão com o divino.                                                      .
Além de sua função religiosa, estas danças cumpriam uma função social e educativa, estreitando os laços de solidariedade, criando uma identidade coletiva e o sentimento de pertencer a uma comunidade, principalmente nas áreas rurais, relativamente isoladas e organizadas em pequenas comunidades: o bairro.
Em Mogi das Cruzes, Mário de Andrade, registrou em película cinematográfica, dirigida por Dina Lévy-Strauss, datada de 30 de Maio de 1936, Congos, Congados e Cavalhadas, na área central da cidade, e na verdade estes cantos e danças vinham da área rural de Mogi das Cruzes.
A documentação sobre a ocorrência destes eventos em áreas rurais durante os anos 30 parece não ter sido realizada por estudiosos e pesquisadores e talvez a única exceção pertença aos estudos do próprio Mário de Andrade sobre a região que apontam a ocorrência destas danças na altura do Itapeti e Poá, pertencente ainda ao município de Mogi das Cruzes.
Em Mogi, um destes bairros, situado nos contrafortes da Serra do Itapety (atual Bairro Beija-Flor), parece ter cultivado estas formas de dança ainda na década de 20, conforme depoimento cedido pelo Sr. Joaquim de Souza Mello, nascido e criado nesta região, hoje contando com seus 74 anos, lembra-se da realização das Congadas e Monçabiques:
"Em 1929, no Itapety, o Sr. Benedito Pinheiro, proprietário do Sítio Duas Irmãs, era Mestre de Monçambique. Meu Pai dançava Congada, quando ainda eu era solteiro e também participava do Moçambique, que na época, contava entre 12 a 16 componentes."

Congada e Moçambique, que segundo o Sr. Joaquim, são bem diferentes:
"A Congada é diferente do Moçambique, na Congada a pessoa era sorteada, se aproximava do trono e do rei, chamado Belo, e tinha que beijar o pé do Rei. O rei da Congada, o Sr. Avelino, designado como o "Belo Sudário", teve inclusive um filho, batizado como Sudário."
A Congada permaneceu no Itapety por muitos anos, apresentando-se por toda a região:
"O pessoal ia a pé até o Bairro do Maracatu, em Guararema. Um primo do meu pai, muito brincalhão, antes de chegar nas fazendas para as festas, procurava por vestígios de bagaço de limão no rio, o que significava que um leitão fora preparado e assim, o repasto estava garantido. Agora, este bairro do Maracatu, é quase deserto. Antigamente, tinha muito mais gente do que hoje."
"Tinha uma venda, do Camilo, que o pessoal quando ia para a dança, cortava as mantas de carne seca. Pois é um negócio errado isso, mas meu pai contava essas coisas. Puxa, o cara vai fazer uma devoção... não é uma brincadeira... Comprasse né."
"Na Congada tinha o Rei, o Embaixador. Eu sei que era bonito. A Congada era muito bonita. Eu cheguei a dançar com o Dito Pinheiro, várias vezes. Ele dançava nas Igrejinhas, no Santo Alberto, na Moralogia (em uma igrejinha que não existe mais) e na Cruz do Pito."
"Na Cruz do Pito, o Salto, eram outros maestros de Moçambique, outros grupos. O moçambique do Zé Martins, do Dito Mathias. O Salto é o seguinte: Bairro do Itapety do Salto, no ribeirão do Salto. O Zé Rosa era o folgazão e mestre de São Gonçalo, também o Zé Pereira. O Zé Pereira, era casado com a irmã do Dito Pinheiro."
Na Congada, as pessoas se aproximavam do Rei, e declamavam pequenos versos:

Sou um soldadinho destemido,
De calça branca e botina numerada,
Subo morro, desço morro,
Com a mochila na cacunda.

A pinta que o galo tem,
O ovo tem na gema,
Uma é branca outra amarela,
A pinta que o galo tem,
o pinto saiu com ela.

Totalmente erradicados das áreas rurais, sobrevivem na Mogi atual, em áreas próximas aos núcleos urbanos, seis grupos de congadas ainda em atividade: Mocambique São Benedito e Nossa Senhora do Rosário da Vila Natal, Congada São Benedito do Coração de César de Souza, Grupo de Moçambique Capela Santa Cruz do Botujuru, Congada Marujada N. S. do Rosário de Brás Cubas, Congada Santa Efigênia e Congada Batalhão Nossa Senhora Aparecida.
As cavalhadas, hoje infelizmente desaparecidas foram também descritas e filmadas em 1936. Nos Inquéritos Folclóricos podemos ler:
Dos jogos ibéricos das cavalhadas (…) o jôgo das canas, o das argolinhas e o de cristãos e mouros, pelo menos estes passaram para o Brasil (…). Quanto ao nosso jogo das cabecinhas (…) permanecido em Franca e Mogi das Cruzes, não sabe o orador se usado em Portugal e Espanha. Parece derivar de figura de papelão que segurava a argolinha no Juego de Sortijas espanhol. Quanto ao jôgo das canas ibérico, servindo-se de uma descrição feita para 1602 por Barthélemy Joly, observa o orador que muitas das figurações equestres ainda existentes em Franca e Mogi das Cruzes (…), são tecnica tradicional importada da peninsula (CCSP, 1938).
Para assistirmos às cavalhadas podemos recorrer ao filme etnográfico de Dina Lévy-Strauss de 1936. Cavalhada mesmo em Mogi, agora só no cinema...

sábado, 21 de abril de 2012

Caminhos Antigos I

A Estrada Real e outros caminhos no Alto Tietê (1)
As Estradas Reais caracterizam o primeiro ciclo de ocupação do continente americano pela coroa espanhola e portuguesa, alcançando desde a América Setentrional até a América Meridional. São tantas, que este fenômeno não passou despercebido por Izabel Allende, ao ironizar a dificuldade de se posicionar na Califórnia setecentista, uma vez que na antiga colônia espanhola, qualquer estrada que conduz a qualquer lugar é chamada por Estrada Real.
Em território brasileiro, um dos problemas em melhor compreender estas vias, consiste nos vários ciclos de expansão e desenvolvimento que perpassam mais de quatrocentos anos  de constantes ocupações, edificações e demais intervenções. Outra questão polêmica é optarmos por qual ótica olhar para o país: se do ponto de vista dos grandes ciclos econômicos, uma ótica hegemônica que reduz o território praticamente a uma única matriz econômica, excluindo regiões afastadas deste ciclo. Por exemplo, se pensarmos o país do ponto de vista dos senhores de engenho, pensamos apenas em senhores e escravos e na estrutura decorrente. No entanto nos esquecemos da existência de inúmeros grupos sociais que não se enquadravam nesta categoria, e que por isso mesmo, desenvolviam estratégias de sobrevivência próprias, alinhadas ao sistema colonial.
Neste sentido os caminhos que cruzavam a serra do Itapeti e desembocavam na Estrada Geral ou passavam pelo Alto da Serra do Mar no Campo Grande e vinham para Mogi das Cruzes ou de Mogi seguia para São José do Paraitinga e daí para o litoral, enfim, todos eles abrigaram desde tempos coloniais o morador do sertão, o roceiro ou caboclo que além dos alimentos básicos para a família, produziam algum excedente que abastecia, pelas muitas veredas, picadas ou caminhos, os arraiais e vilas.
Plantava-se a mandioca, feijão, arroz, cana e milho, havia a farinha de milho ou de mandioca e segundo Sebastião da Rocha Pita, no século XVIII, havia também nas roças “os quiabos, os jilós e os maxixes, as largas taiobas... as cheirosas pimentas de muitas espécies e cores que servem ao gosto, ao olfato e a vista.”
Nos caminhos antigos há uma memória de uma formação histórica regional onde podemos aprender e apreender a circulação de tropas de comercio, negociantes e pessoas diversas, o ir e vir de viajantes, dos habitantes da região, enfim dos que deram vida ao local.
Portanto em relação às representações cartográficas temos uma situação onde a partir de meados do século XVIII houve a necessidade de conhecer melhor o território do Império português, por conta das disputas territoriais com a Espanha e medidas foram implementadas no sentido de levantamento nominativo das populações e produção cartográfica do território português.
No início do século XIX (1817), esse conhecimento cartográfico foi materializado no Guia de Caminhantes, retratando as povoações e ca(1)minhos que cortavam o território brasileiro.
Desta maneira, consultando o Guia de Caminhantes, mapas mais antigos e documentos relativos a ocupação territorial da população, retrataremos os caminhos antigos em Mogi das Cruzes e estes mesmos caminhos nos dias de hoje retratados em mapas digitais, fotos, entrevistas com habitantes das localidades e infraestrutura que estes locais possuem ou não. Conhecer quem era e quem é o habitante dos caminhos antigos e atuais.
Hoje ao lado das transformações que o tempo trouxe e onde muita coisa mudou, foi destruída ou esquecida, existe ainda neste mundo, ao mesmo tempo rural e urbano, muitos saberes e viveres o que torna possível, senão obrigatória no Alto Tietê, refazer esses caminhos, conversar com moradores, documentar para preservar o que ainda persiste e registrar o que está por desaparecer, relembrando o que fez Mário de Andrade em Turista Aprendiz e nos Inquéritos Folclóricos ( neste ultimo, vinte destinatários em Mogi, entre eles Leonor de Oliveira Mello e Gabriel Pereira, ajudaram a criar uma base investigativa baseada no levantamento das principais ocorrências folclóricas no Alto Tietê, criando uma tipologia para danças, alimentação, benzimentos e simpatias) o percurso do projeto apresentado se dará através da coleta, registro e de divulgação de informação e imagens.
Nos dias de publicação será apresentado um mapa antigo com a representação da região a ser tratada, explicando a origem do mapa, ano de publicação, contexto em que está inserido o mapa e como nos dias de hoje esta mesma região se encontra ocupada quanto a habitantes, seus costumes, etc.
O Guia de Caminhantes, publicado em 1817, verdadeiro guia de viajante, mostra um local, que outrora fora aldeamento de índios, e como freguesia era parada obrigatória de tropas e viajantes que circulavam pela Estrada Real, ou seja, a Freguesia da Escada localizada perto da divisa do traçado de 66 quilômetros que passava pela cidade de Mogi das Cruzes até Jacareí. Saindo de Mogi das Cruzes em direção ao Vale do Paraíba os caminhos ganhavam contornos em relatório do século XIX:“Em seguimento d’esta estrada até a Fazenda do Carmo em Sabaúna (até a Freguesia da Escada) necessita ser reparado de enxada em partes aterrar alguns lugares e dar esgotos necessários as águas roçar todo o mato que em partes já para o transito(...) alargala em partes até vinte p(1)almos pois lugares há que mal passam dois cargueiros (...)como também levantarem-se alguns pequenos aterrados, e pontes, para fazer correr as águas ”.
A importância das obras era justificada pelo “... grande transito de tropas de café, não só desta Villa, como das vilas vizinhas que por Ela exportam e importam os gêneros de seu consumo, as tropas soltas, Boiadas, que por Ela transitam no tempo da Feira e os recursos que todos os viajantes encontrão neste Município tão antigo e conhecido por todos...”.
Como um ponto de atração, hoje a Freguesia da Escada continua recebendo centenas de viajantes que vem em busca de um fim de semana tranquilo ou conhecer aspectos do Brasil Colônia, materializados na Igreja do século XVII, tombada por órgãos de proteção do patrimônio histórico.
Essa conservação do passado, além da contribuição dos órgãos oficiais de tombamento, se deve a população local que através dos anos tem como marco e identidade as características do local, principalmente na figura de Dona Luíza Leme de Almeida, 89 anos, nascida a 13 de maio, que conta a história da Freguesia da Escada desde pelo menos 1933, quando tinha 10 anos e se lembra da passagem de tropas, os cuidados que sua mãe tinha com a Igreja e antes dela seus antepassados, que hoje se encontram enterrados no antigo cemitério da Freguesia que, cercado por mato e sem os túmulos identificando que aquele espaço foi outrora benzido como solo sagrado, está segundo outros moradores, demarcado em lotes para serem vendidos.
Em época de festa, e não eram poucas, os caminhos do Itapeti levavam à Escada, que presenciava bandas de música, toques de viola e a presença constante dos “lambarianos”, gente do bairro do Lambari, ou mais genericamente, da serra.Tinha uma concorrida festa do Divino e além das tradicionais festas de Nossa Senhora da Escada e São Longuinho, onde sua mãe zelava pela arrumação da Igreja exercendo também a função de cafeleira, todos os meses do ano eram preenchidos, na lembrança de Dona Luiza, com outros encontros festivos sempre regados a café com biscoito nas capelas de Santa Cruz das redondezas como por exemplo Santa cruz de São Benedito, Santa Cruz do Bambu e muitas mais que hoje não existem e tempo não sobrava para sair muito longe.As amizades e o local eram vividos intensamente.
Uma coisa diferencia as festas de ontem e de hoje, antes os “lambarianos” ou quem quer que fosse, viviam a mesma realidade e estavam todos ali presentes atraídos pela festa de devoção e alguma oportunidade de diversão estreitando laços de solidariedade com iguais. Hoje temos a festa de diversão

(1) Reportagem publicada em O Diário de Mogi, Caderno Cidades, em 15 de Abril de 2012.
Fonte:
SANT'ANNA, Anastácio de.Guia de Caminhantes(1), 1817. Biblioteca Nacional.

sábado, 14 de abril de 2012

São Benedito, o Largo Bom Jesus e as cavalhadas

Segundo a agenda do Conselho Nacional das Irmandades de São Benedito do Brasil, várias cidades realizam a festa do santo no mês de abril, algumas na segunda feira após a pascoa, outras uma semana depois e ainda cidades que realizam a festas no dia dedicado ao santo, ou seja, 05 de outubro, dia de sua festa litúrgica, dia de São Benedito.

Tradicional no início do século XX, a festa de São Benedito em Mogi das Cruzes era realizada no mês de outubro, com atividades no Largo Bom Jesus, possivelmente desde o final do século XIX quanto do translado da imagem de São Benedito, da Igreja do Carmo para a Igreja do Bom Jesus, sendo que tanto o jornal “A Vida” nos anos 20, quanto “O Liberal” nos anos 30, se referiam a festa realizada “Há muitos decênios” na cidade.

Tratada como um dos acontecimentos religiosos mais belos e tradicionais, com grande participação das pessoas e depois dos preparativos do festeiro, chegado o mês de outubro, o jornal anunciava no “modesto e vetusto templo do Largo Bom Jesus” a missa cantada, levantamento do mastro, leilão de prendas, procissão percorrendo as ruas da cidade acompanhada das corporações musicais Santa Cecilia e Guarany, a “ tradicional cavalhada “ e o moçambique no largo, terminando com a eleição da mesa diretora da Irmandade de São Benedito.

Luís da Câmara Cascudo no Dicionário do Folclore Brasileiro define São Benedito como patrono dos africanos que ”em seu louvor celebravam festas religiosas, em que se exibiam diversões profanas ' e citando a cidade de Cunha, no Vale do Paraíba, São Paulo, diz que 'persiste a crença de o santo ter inventado a dança Moçambique tão popular na região,' pois, ' São Benedito era trabalhador na roça e para descanso, ele inventou a dança de moçambique”.Portanto, havia e há elementos na festa deste santo que são expressões da vida do caboclo e neste sentido, notamos na festa uma identidade dos participantes e devotos com São Benedito, santo negro, que na crença interiorana era lavrador.

Em Mogi das Cruzes o patrimônio imaterial representado pelas festas de cunho religioso, acompanhado de manifestações populares que lhe davam características profano sagradas, ainda é pouco conhecido em vista das inúmeras festas realizadas e da falta de estudos sistematizados.

Essas manifestações da vida lúdico religiosa ultrapassavam o âmbito familiar encontrando na festa de bairro ou cidade sua unidade básica de manifestação, sendo que, tal devoção da população local promovia uma coesão social .


Fontes:

AHMC – Jornal “A vida”, Jornal “O Liberal”

CONISB http://www.conisb.com.br/agenda.php

quinta-feira, 5 de abril de 2012

A Semana Santa, Paixão de Cristo e outras paixões em 1932

Domingo 03 de Abril de 1932, o jornal “O Liberal” anunciava o início da Semana Santa, e as cerimonias religiosas por vir.

Começando com a procissão de Ramos em capela afastada os participantes levavam ramos ou folhas de palmeira e partiam em cortejo em direção à Igreja Matriz, local de missa solene, possivelmente acompanhados de banda de musica como em algumas cidades históricas do Brasil, pois, como indicava o programa das celebrações, contava-se com a presença do maestro Antônio Marmora Filho.

Associações e ordens religiosas locais participavam ativamente, assim como centenas de fiéis que durante a semana, todas as noites, se dirigiam à Igreja Matriz a fim de participar dos oficios.

Na quinta-feira Santa, às 19:30, havia a cerimonia tradicional do Lava-pés, simbolizando a humildade, o serviço.

Na sexta feira, às 21 horas procissão do Enterro: a imagem do senhor morto seguindo processionalmente com uma figura feminina a entoar o canto da Verônica, que consistia em cânticos e lamentações em torno da dor do Cristo que padece pela humanidade, ao longo do caminho se evocava a dor desesperada. Ser realizado a noite, em procissão com cântico e lamentações, dava ao ato uma teatralidade própria, ressaltando o espirito penitencial da semana.

Domingo, 5 horas da manhã a procissão da Ressurreição, celebrando o Cristo que ressuscitou encerrava a festa do povo, o teatro da religião, com a presença reveladora de um missionário de Pirapora, local de tradições populares que anos mais tarde encantariam os olhos de Mário de Andrade e Levi Strauss.

Depois de terminada a Semana Santa, era iniciado na capela no alto da rua Ricardo Vilela, de onde partiram diversas procissões, as obras de reconstrução deste Santuário que segundo o jornal “O Liberal“ era “...a mais antiga demonstração de fé erigida pela população de Mogy das Cruzes em tempos immemoriais. Depois de alguns anos em ruina, um grupo de pessoas devotas da Santa Cruz e zelosas das tradições históricas desta cidade tomou a peito a reconstrução da legendaria capella...”.Para o andamento das obras se recebia donativos em materiais e realizavam-se quermesses.

Aproximava-se o mês de junho e outros devotos faziam os preparativos para a festa de Santo Antônio, que ao realizar se, tinha como característica os festeiros com o nome Antônio e para o ano seguinte haviam sido escolhidos 13 Antônios para preparar a festa.

Não só as associações religiosas que viviam a Semana Santa e a paixão de Cristo, mas os devotos da Santa Cruz, devotos e festeiros de festas religiosas diversas, também compartilhavam o sentimento de paixão traduzido como emoção, sentimento intenso, entusiasmo ou apego por aquilo que tinha um significado pessoal.

Da mesma forma podemos dizer que este início do ano de 1932 assistia a manifestação das paixões políticas que conduziriam ao movimento armado de julho de 32, os animos se acirravam, e na cidade era palco de disputas e interesses locais a recém estabelecida Associação Operária de Mogi das Cruzes.

Na próxima postagem retornaremos ao tema da Associação Operária e a Liga Revolucionária.


Fonte:AHMC, jornal “O Liberal”, edições abril, maio, junho de 1932


Darcy Ribeiro, matrizes étnicas e o Itapety

Darcy Ribeiro vê o Brasil como um país novo:
“Novo porque surge como uma etnia nacional, diferenciada culturalmente de suas matrizes formadoras, fortemente mestiça, dinamizada por uma cultura sincrética e singularizada pela redefinição de traços culturais delas naturais. Também novo porque se vê a si mesmo e é visto como uma gente nova, um novo gênero humano diferente de quantos exista. Povo novo ainda, porque é um novo modelo de estruturação societária, que inaugura uma forma singular de organização sócio-econômica, fundada num tipo renovado de escravismo e numa servidão continuada ao mercado mundial. Novo, inclusive, pela inverossímil alegria e espantosa vontade de felicidade, num povo tão sacrificado, que alenta e comove a todos os brasileiros” (RIBEIRO, 1996 p. 19).



Fonte
RIBEIRO, D. O Povo Brasileiro. A formação e o sentido do Brasil. 2. ed. São Paulo: Companhia das Letras, 1995.