domingo, 22 de janeiro de 2012

Sons da África no Novo Mundo

A documentação iconográfica pode nos dar indícios da expressão musical existente em nossa região, principalmente no século XIX, através dos registros de viajantes e no caso estudado, os registros dos cientistas naturalistas Spix e Martius, que cruzaram o Vale do Paraíba e passaram por Mogi das Cruzes.
Nas muitas vilas, freguesias e fazendas o som que se ouvia era derivado de musicalidades africanas vindas com o tráfico de escravos e quando ouvidos por europeus, a vigorosa percussão dos negros causava estranheza aos gostos musicais acostumados com melodia e harmonia, como dos viajantes europeus do início do século XIX, Spix e Martius, que identificavam pássaros nas matas do Vale do Paraíba que cantavam na “escala do Si, da terceira linha clave de Sol ao Lá superior “.
A dança e a musica eram consideradas barulhentas, o atabaque e o ganzá perturbavam-nos. Em certa ocasião, que deu origem a imagem O batuque em São Paulo, Martius observara que:
“o principal encanto desta dança (batuque), para os brasileiros, está nas rotações e contorções artificiais da bacia (...). Dura as vezes, aos monótonos acordes de viola, várias horas sem interrupção, ou alternado só por cantigas improvisadas e modinhas nacionais, cujo tema corresponde à sua grosseria. Às vezes aparecem bailarinos vestidos de mulher. Apesar da feição obscena da dança, é espalhada por todo o Brasil e por toda parte é preferida da classe inferior do povo, que dela não se priva, nem por proibição da Igreja.”1
Para além do que a gravura nos passa, a análise de outro tipo de documentação nos permite observar que a música, o canto e a dança propiciavam encontros e ajuntamentos que escapavam ao controle do Estado e da Igreja, constituindo-se como verdadeiros espaços de contravenção, muitas vezes observados pelas autoridades (como mostra a gravura de Spix e Martius) e é o que se verifica nos autos de processos criminais de nossa região, onde se lê sobre as condenações como as que sofreram as anônimas Mariana, Joaquina e Fabiana, condenadas a multas e obrigadas a assinar “termo de bem viver”, pois:
” a todas estas pessoas, o dito juiz de Paz fez ver que devem se comportar melhor e com decência e não fazerem ajuntamento de pessoas em sua casa, viver honestamente a fim de não perturbar o sossego publico com batuques de viola ou de gritarias e assim mais bebedeiras, o que elas prometeram viver honestamente, e não quebrar o termo que assinam”2
Na verdade desde o final do século XVIII o batuque tinha penetração em várias regiões do Brasil. Por volta de 1786. Tomás Antônio Gonzaga, em sua obra satírica Cartas Chilenas descreveu o batuque:
“A ligeira mulata em trajes de homem
Dança o quente lundu, e o vil batuque;
E aos cantos do passeio inda se fazem
Ações mais feias, que a modéstia oculta”3
Tanto o lundu como o batuque eram manifestações rítmico-musicais negras, onde o adjetivo vil qualificava a expressão musical com vinculação direta aos escravos significando “a roda de dança negro-africana”4, por sua vez o quente lundu seria “a variante criada pelo gosto mais moderno de brancos e mulatos atraídos às festas dos negros”5.
Segundo o Dicionario de Percussão da UNESP “Há fortes indícios de que foi fundamental para o desenvolvimento do ritmo e dança do samba. O conjunto instrumental é composto por 2 ou 3 tambores tipo atabaque...”.
Na próxima postagem continuaremos a abordagem dos sons africanos, falando sobre o jongo, o atabaque e sua vinculação com a região.

Fontes:
1 LAGO, Pedro Corrêa. Iconografia paulistana do século XIX,SP, ed.Capivara, 2003,p.59
2 Arquivo Histórico de Mogi das Cruzes, Acervo do Forum, termo de bem viver
3 GONZAGA, Tomás Antonio,Cartas Chilenas. SP. Companhia das Letras, 1996 p.143
4 TINHORÃO, José Ramos. O som dos negros no Brasil, cantos, danças, folguedos: origens. SP. Art. Editora, 1988 p.42
5 idem p.42

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