quinta-feira, 25 de abril de 2013

Sobre Barões e brasões II

Os Banbeirantes Henrique Bernardelli

Existem relações entre a modernidade e o passado?
Se existem, como funcionam?
No século XX, nas primeiras décadas aconteceu a Semana de Arte Moderna de 1922, São Paulo vivia dias agitados, com as industrias e gente nova, muita gente nova na cidade, nos cortiços que deram lugar a grandes avenidas. Era a modernidade.
E Mogi das Cruzes, onde as tímidas manufaturas vão dando lugar às fabricas, a luz elétrica ganha os cinemas, estradas de rodagem cortaram a cidade e a primeira bomba de gasolina funcionou em 1924 para abastecer um dos símbolos da modernidade: o automóvel. A modernidade vai chegando devagarzinho.
Mas é nesta mesma época que os apelos ao passado emergem em brasões e símbolos (de várias cidades) para que as tradições sirvam de legitimação para aqueles que as construíram e surjam como força política de grupos políticos e econômicos.
Esses grupos fazem com que a sociedade apresente para si mesma a sua origem, a sua substância fundadora (brasões, bandeiras).Segundo Nestor Garcia Canclini “é a base de políticas culturais autoritárias”.
Pretende-se que exista uma coincidência entre realidade e representação (brasão), entre a sociedade e os símbolos que a representam (brasão, bandeira, etc.).Isto se acha identidade (palavra banalizada), o reflexo fiel da essência da cidade.
Celebram-se os acontecimentos fundadores, heróis, protagonistas e os objetos que os evocam (bandeirantes e brasões).
Uma história calcada em vencedores, sem traumas.
Sem índios.
Sem negros.

Fonte

CANCLINI, Nestor Garcia, Culturas Hibridas : estratégias para entrar e sair da modernidade. 2ed.S.P. : EDUSP, 1998, 385p.

Fonte da imagem
http://www.unicamp.br/chaa/rhaa/atas/atas-IEHA-v2-166-177-maraliz%20de%20castro%20vieira%20christo.pdf
Nesta imgem Henrique Bernardelli retrata o bandeirante sem a altivez heróica, envelhecido e enfermo, bebe no riacho como aqueles que estão na mata, submetido à natureza


sexta-feira, 19 de abril de 2013

Sobre barões e brasões

O brasão vem da tradição europeia de tempos medievais e é um desenho especificamente criado com a finalidade de identificar indivíduos, famílias, clãs, cidades, regiões e nações.
O nobre europeu sempre ostentava um brasão e a nobreza do Brasil, desde os tempos coloniais, sofreu influencia direta da nobreza portuguesa, não sendo porem uma nobreza de sangue, hereditária, mas individual.
coroa de barão

Mas quem poderia ser nobre no Brasil Colonial?

A nobilitação surgia ligada aos feitos militares, quer se tratasse da apropriação de territórios (aqui temos o apresamento indígena e sua utilização como mão de obra) ou expulsão de estrangeiros do litoral brasileiro.
Com o avanço da colonização e aumento das vilas surgia uma rede administrativa de câmaras e seus vereadores, funcionários reais, da Justiça e Fazenda, ordenanças, milicias locais que foram recebendo títulos de nobreza pelo simples exercício destas funções.

“O alvará de 29 de julho de 1643 esclarecia que não deviam ser indicadas pessoas mecânicas nem de 'nação'”(de sangue infecto ou baixa limpeza), isto é, estavam excluídos dos cargos e títulos os trabalhadores manuais, o artesão, pessoas não cristãs (judeus, mouros, considerados sangue infecto) e gentilicos.
Já no período colonial alguns homens de negócios recebiam seus títulos, mas, com a vinda da família real em 1808 aumentou significativamente a distribuição de merces e comendas para a elite mercantil que acudia a Corte ou realizava bons negócios para a Coroa.
Brasão com escudo classico portugues
A teia nobiliárquica se estende durante o segundo império e uma profusão de títulos passa a ser concedido, indo desde o Duque (2:450$000), Marques (2:020$000), Conde (1:575$000), Visconde: 1:025$000 e finalmente Barão (750$000) que ao lado do Coronel da Guarda Nacional representava o poder local como donos de terra plantada com café e proprietarios de escravos.Todos defidamente agraciados com seus títulos e identificados com seus brasões.
Com a República em 1889 terminava a era dos títulos nobiliarquicos, porém, as cidades no início do século XX passam a idealizar seu passado lançando mão de brasões e escudos que evocavam um passado mitico e imaginado, através das alegorias dos brasões.
Agora no caso das cidades, assim como nos brasões da nobreza, as tradições inventadas (Eric Hobsbawm), construidas e institucionalizadas, visavam propor valores e normas de comportamento (identidade) recorrendo ao passado, utilizando a História como legitimadora das ações.
Desta maneira, em 1915, a Camara Municipal de São Paulo e o prefeito Washington Luis estabeleceram um concurso para a escolha de um brasão para a cidade.As regras exigiam ser o brasão um “simbolo dos feitos do passado, desde a fundação da cidade até aquela ocasião”, (o simbolo é utilizado oficialmente até hoje).
Brasão paulistano
Os vencedores foram Guilherme de Almeida e José Walsh Rodrigues e a frase em latim Non Ducor Duco ( Não Sou Conduzido, Conduzo) traduzia a mítica da superioridade paulista e o pensamento da oligarquia cafeeira paulista, dominante na primeira Republica.

A produção de simbolos ganhou impulso por volta de 1922, ano da comemoração oficial dos 100 anos de Independência do Brasil, quando Affonse Taunay, diretor do Museu Paulista ornamentou o museu para sedimentar a construção de uma concepção de identidade nacional.
Mais tarde (1925) encomendou os escudos (brasões) das mais antigas cidades do Estado de São Paulo, marcadas pela tradição bandeirante: São Paulo, Santos, São Vicente, Itu, Sorocaba, Taubaté, Parnaíba, Porto Feliz e Itanhaém..
Estes nove brasões foram encomendados em 1925 a José Wasth Rodrigues, que recebeu a encomenda no ano seguinte. Os brasões expostos no início de 1926, como previsto, receberam nota no jornal Correio Paulistano, que os classificou como “centros primordiais e principais de bandeirantismo.”
Diante destas produções de brasões, o prefeito de Mogi das Cruzes ( PRP) encomenda e estabelece o brasão mogiano em 1929.
Com a Revolução de 1930 vencedora e uma nova ordem em vigor na cidade, em 1931 novo brasão é encomendado, a Affonso Taunay e José Walsh Rodrigues, autores de vários brasões de cidades importantes, que figuravam no Museu Paulista e assim a História era utilizada para legitimar um passado bandeirante heroico e idealizado.
Hoje os brasões de família podem ser encontrados na internet, no Mercado Livre por R$ 19,00 Reais. Lembremos porém, que a verdadeira identidade de uma cidade, de um povo é construída por esse próprio povo, através de intervenções participativas e, principalmente, por uma política cultural real e efetiva. Nunca por ossos de barões e brasões.

Fontes:

CÂMARA MUNICIPAL DE SÃO PAULO. 450 Anos de História / Câmara Municipal de São Paulo; texto e pesquisa Ubirajara de Farias Prestes Filho. 2.ed., rev. e atual. São Paulo: Imprensa Oficial do Estado de São Paulo, 2012. 148 p.

HOBSBAWM, Eric, RANGER, Terence, A invenção das tradições. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1997. 316 p.

MAKINO, Miyoko. Ornamentação do Museu Paulista para o Primeiro Centenário: construção de identidade nacional na década de 1920. Anais do Museu Paulista.

SILVA, Maria Beatriz Nizza da, Ser nobre na colônia. São Paulo: Unesp, 2005. 341 p.

quarta-feira, 10 de abril de 2013

Tia Anastácia: Porta-Bandeira mogiana


Fonte: Prefeitura Municipal de Mogi das Cruzes
Se consultarmos a WEB, encontraremos um sem número de referências sobre a Bandeira, o Brasão e o Hino do município de Mogi das Cruzes. O site oficial da Prefeitura de Mogi das Cruzes exibe em sua página destinada aos símbolos municipais, matéria específica sobre estes símbolos. Também o Conselho Municipal de Preservação do Patrimônio Histórico Cultural, Artístico e Paisagístico de Mogi das Cruzes (COMPHAP), fornece em seu site informações semelhantes. Isto só para mencionar sites governamentais. Se ampliarmos a busca, veremos que as mesmas informações são reproduzidas em sites colaborativos como a Wikipedia, sites voltados ao turismo e comércio e até mesmo alguns poucos blogs, que com a pretensão de divulgar um conhecimento inédito e original, simplesmente reproduzem estas informações ocultando as fontes.
Mas o que chama mesmo nossa atenção sobre a elaboração da bandeira municipal é sua origem e significado, assim apresentados:
(...) foi instituída e oficializada pela Lei Municipal nº 804 em 29 de novembro de 1956. Possui três  faixas horizontais, sendo a de cima de cor preta, a do meio branca e a de baixo vermelha. Elas representam as raças da população que se formou no município: branca, negra e vermelha (índios). As faixas preta e vermelha tem cada uma 1/4 do total e a do meio tem 2/4, por ter sido maior a contribuição da raça branca. (PREFEITURA MUNICIPAL DE MOGI DAS CRUZES, 2013, grifo nosso).
Fonte: Portal do Professor, MEC.
Em tempo de cotas raciais, da igualdade de direitos e cidadania, das discussões sobre Africanidades, trata-se realmente de uma pérola a distribuição e ordenação de cores presente no pavilhão mogiano, onde a faixa branca central é mais larga para melhor representar uma “maior contribuição da raça branca no desenvolvimento da cidade”. É algo hilário, semelhante à contribuição da Dona Benta de Monteiro Lobato para a gastronomia brasileira. Trabalho intelectual é claro, pois é de domínio público que, quem de fato colocava a mão na massa - e no tacho – era Tia Anastácia.

Hilário, porém perverso. Por isso mesmo, capaz de revelar algumas atitudes presentes (ou ausentes),  do imaginário desta parte “expressiva da população”, branca dominante.Basta dar uma olhada no documento “Classificação de escravos para serem libertados pelo fundo de emancipação de 1874”, do Arquivo Histórico de Mogi e constatar os inúmeros trabalhadores escravos que contribuíram para a manutenção dos serviços urbanos.Ali estão carpinteiros, pedreiros, trabalhadores domésticos, engomadores, pajens, sapateiros, etc, além dos trabalhadores rurais.Todos escravos que mantinham o funcionamento e ordenamento da cidade. 
Afinal, quem construiu Mogi? O nobre bandeirante? O negro cativo, o negro quilombola? Afinal, que matriz étnica compunha este bandeirante senão o mestiço índio-luso, ignorante total da língua portuguesa, mas fluente na nossa hoje esquecida língua brasílica, que semeou nossos principais nomes, e neste caso, o primeiro Mboigy, transformado em Mogi.
Debret: mamelucos conduzindo índios prisioneiros.
Qual a matriz étnica destes brancos, frequentadores de centros de umbanda, apreciadores das “comidas de santo”, contumazes nas cachoeiras e olhos d´água. Qual a matriz étnica destes zulus meditativos, cultivadores dos espíritos ancestrais?
Talvez a única representação possível destas matrizes em tecido seja a fusão graciosa das cores, um borrâo sem fronteiras definidas, cores esmaecentes, mas virtuosas em formar constantemente novos motivos, um multicor caleidoscópio em constante transformação, enfim, uma imagética libertadora, emancipadora, capaz de traduzir nossa constante e mais fremente ambição, nosso devir: o de ser humano. Um devir pleno de justiça e aceitação, o devir de construirmos uma sociedade igualitária.

Fontes:

DEBRET, Jean-Baptiste. Viagem pitoresca e histórica ao Brasil (1834)São Paulo: Editora da USP, 1989, Prancha 20.


PREFEITURA MUNICIPAL DE MOGI DAS CRUZES. Disponível em <http://www.mogidascruzes.sp.gov.br/turismo/simbolos.php#bandeira.>