segunda-feira, 9 de dezembro de 2013

Caminhos Antigos XXV


Empório na estrada da fazenda Sabaúna. Thomas Ender 1817
Sabaúna: de fazenda dos padres a núcleo de imigrantes

Alguns caminhos começam no além mar.
O imigrante que veio para o Brasil no século XIX, para trabalhar nas fazendas de café ou núcleos coloniais, guarda uma similaridade com o emigrante do Brasil de hoje, que vai para o Japão, Europa ou EUA: todos respondem a uma expectativa de viver e ocupar um mundo de oportunidades e esperanças.
Em um país de latifúndios, os núcleos coloniais eram pequenas propriedades de terra, implantadas pelo Estado, que se encarregava de vender estes “terrenos coloniais” ao imigrante recém ingresso. Em Mogi das Cruzes, Sabaúna foi o destino destes imigrantes.
O pequeno distrito, está situado à 60 Km de São Paulo, na direção leste, já na área de influência do Vale do Paraíba, mas pertencente, enquanto distrito, ao município de Mogi das Cruzes (Alto Tietê). Lá está a pequena estação de trem, de arquitetura inglesa, do início do século XX, o pequeno centro comercial em frente à estação, o lanifício que estava desativado e hoje funciona como uma fábrica de materiais elétricos.
O traçado da Estrada de Ferro Central do Brasil cortava ao meio esta localidade denominada Sabaúna. A primeira vista, a ferrovia foi o determinante para a escolha deste espaço físico para a implantação do núcleo de imigrantes em uma fazenda de padres carmelitas, cujas terras foram obtidas em 1627.
Simples e incompleta esta afirmação, porque as razões da escolha do local para a instalação do núcleo colonial em Mogi das Cruzes são bem mais complexas.
Apenas para tomarmos um exemplo e retornarmos no tempo, já em 1823, por uma lei de 20 de outubro fora concedida às ordens religiosas o “direito de adquirir, possuir sem limitação de tempo... bens de raiz” (terras). No entanto por aviso de 5 de novembro de 1840, onde o Império reconhecia serem “os conventos legítimos proprietários dos bens adquiridos por seus religiosos, não podiam tais bens ser-lhes entregues no caso de falecimento dos mesmos religiosos”.
Finalmente o que muito vai contribuir para o futuro núcleo ser instalado em terras carmelitas está no Aviso de 19 de maio de 1855 que “proibia a admissão de noviços nos conventos do Império”. Após esta decisão, as Ordens Religiosas caminhavam de forma inexorável para sua extinção. Deduz-se daí as limitações impostas às ordens religiosas de terem a hereditariedade das terras a elas concedidas pelo governo e os impedimentos aos novos noviciados.
Por fim, leis de 1869 e 1870 forçavam a conversão dos bens das ordens religiosas em apólices da dívida pública. Nesta ótica, a desapropriação da fazenda para a instalação do núcleo segue uma política coerente, como demonstra a serie de leis citadas.
A partir de 1870, vários são os ofícios dirigidos pela Câmara de Mogi das Cruzes em resposta às perguntas do governo provincial sobre a existência de terras devolutas no município, sugerindo a instalação de um núcleo colonial em um lugar chamado campos do Santo Ângelo, onde as terras também eram de religiosos.
De modo inverso, nesta mesma década, circulares são enviadas pelo governo da província à câmara de Mogi das Cruzes pedindo informações quanto à existência de criação de abelhas, de bicho da seda, institutos, passeios, escolas agrícolas, jardins botânicos, visando à instalação de um núcleo colonial.
Observamos desde esta época a especulação imobiliária efetuada por pessoas que detinham informações sobre as políticas a serem implantadas. Tal evidência nos é fornecida por documentação que nos informa que durante a década de 1870 se deu intensa compra de terras públicas no local denominado Santo Ângelo (atual Jundiapeba), por parte de dois vereadores. Tais personagens, somente em 1878 serão denunciados pela Câmara na legislatura daquele ano.
Em 1881 a possibilidade de o núcleo colonial ser nas terras do Santo Ângelo ganha o reforço do periódico “A Gazeta de Mogy das Cruzes, que em defesa conjunta com a Câmara Municipal publica artigo a respeito de núcleos agrícolas e as vantagens  que o governo da província poderia vir a ter caso adquirisse as terras da “campina do Santo Ângelo que temos na proximidade d’esta cidade”.
No mesmo ano menciona-se pela primeira vez a fazenda Sabaúna para fins de instalação de um núcleo.
“aquela referida fazenda para o estabelecimento de um núcleo colonial e escola agrícola, d’onde se poderia tirar ótimos resultados, já por que utiliza-se uma grande quantidade de terrenos adaptados a toda espécie de culturas
A escolha da fazenda Sabaúna para a instalação de um núcleo não ocorre por mero acaso, pois como no caso de núcleos instalados em terras de religiosos em São Paulo, a fazenda (propriedade do Carmo), era, segundo as leis do Império, domínio do Estado, e as Ordens Religiosas quanto a seus bens, meras detentoras e usufrutuárias de um patrimônio.
O núcleo colonial será constituído fundamentalmente por imigrantes. Sua população será heterogênea, pois além dos antigos habitantes da região (ex foreiros do Carmo), abrigará  espanhóis, portugueses, italianos, franceses, belgas, alemães, russos, etc. Ao contrário de outros núcleos que serão ocupados majoritariamente por italianos, em Sabaúna o número de espanhóis será superior.
Com a aquisição das terras em troca de títulos da dívida pública, o Estado começava a efetivar o seu projeto de colonização, tendo início a 23 de abril de 1889 o trabalho de medição da fazenda, e a 12 de dezembro do mesmo ano dava-se início à colonização.
A topografia do núcleo colonial de Sabaúna não era favorável a grandes culturas devido a seu relevo acidentado onde o Estado fixava o preço do metro quadrado (m2) em 1.66 réis, sendo que os lotes de imigrantes variavam de 50.000 a 300.000 m2 (1), em média, enquanto as maiores propriedades estavam concentradas nas mãos de ex-foreiros da ex-fazenda do Carmo, sendo que a superfície dos terrenos ocupados por ex-foreiros variava de 868.500 m2 a 2.300.000 m2.
De uma fazenda que sustentava o convento, em que trabalhavam arrendatários e foreiros, cuja base produtiva era o trabalho escravo, passava a ser um espaço dividido em parcelas (lotes) e vendido para colonos.
Planta do núcleo 1906

Em todas as áreas de colonização previa-se lotes rurais e lotes urbanos, sendo que estes deveriam formar o núcleo urbano, e esperava-se que concentrassem a administração, o comércio, a escola, igreja e outras atividades, mas, em 1893 ainda não havia a demarcação correta.
Ao chegar os imigrantes eram alojados provisoriamente em construções da antiga fazenda carmelita e iniciavam a escolha do lote colonial. Com a constante chegada dos colonos o administrador alojava-os também na escola do núcleo. Diante dessa situação a professora Joaquina da Gloria Pereira, professora pública da escola mista e residente no núcleo, em 1892, enviou requerimento à Delegacia da Inspetoria Geral de Terras e Colonização dando conta de não poder lecionar por causa do alojamento de famílias de imigrantes no ex-convento onde funcionava a escola.
E assim iniciava a vida do imigrante, que cruzou o Atlântico em busca da esperança.
Muitos não sabiam escrever e valiam-se dos serviços do ex-feitor da fazenda do Carmo. Trabalhando agora como funcionário do Estado passava a ser considerado o feitor do núcleo. Era ele quem se encarregava de redigir as petições de terras para os colonos e aproveitava para negociar benfeitorias que havia realizado em lotes vagos que eram adquiridos por colonos novos.
Escolhido o lote, o colono passava a se preocupar com a produção agrícola para saldar a compra e receber o título de posse definitivo e aí constatava que esta não era sua única divida, pois, incluído nas contas a pagar, estavam os gastos de cada colono com saúde, alimentação reconstituinte, construção da moradia, auxílios, adiantamentos e multas.
Além das dividas com que não contava, o colono tinha que enfrentar nos anos iniciais do núcleo a falta de comunicação entre os lotes, pois haviam apenas caminhos e picadas, além das dificuldades quanto ao contato do núcleo e outras regiões, diferente do que era propagandeado na Europa para atrair o imigrante.
Assim em 6 de outubro de 1891, em requerimento ao governo e em 12de novembro de 1891 em requerimento enviado ao Secretário da Agricultura, os colonos pediam a instalação de uma estação ferroviária para escoamento de sua produção.
Como estes requerimentos não foram atendidos, no dia 31 de julho de 1892, foi feita uma reunião que nomeou uma comissão, composta por Zolozoski (capitão da Casa Imperial Russa), Vicente Riqueti, Felix Ortega, J.Arbulo, Carmine Palumba e Antonio Granado, para apresentar ao governo do Estado, um terceiro requerimento. Assinavam esse documento 56 colonos e a organização coletiva marcava os primeiros tempos de vida e dificuldade no núcleo.
Entre o sonho estimulado pela propaganda e as condições encontradas haverá uma grande diferença. O sonho do imigrante era possuir uma pequena terra para lavoura e do que lhes fora prometido, restava apenas o local de moradia e a perspectiva de trabalharem na construção de sua realidade, junto aos antigos moradores, ex-foreiros do Carmo.
Pedreira de Sabaúna, explorada pela Central do Brasil.
Os colonos cuidavam como podiam da vida, no entanto, a municipalidade cuidava dos mortos. Theodoro, 6 meses, filho de Jerônimo Arbulo, um dos primeiros imigrantes é enterrado no cemitério de Mogi das Cruzes, sendo o enterro pago pela municipalidade e no mesmo ano de 1902, mais dois sepultamentos de recém - nascidos eram realizadas em Mogi das Cruzes, provenientes de Sabaúna e pagos pela municipalidade.

Nota 1 O valor do lote variava de R$ 4.150,00  a R$ 24.900,00 aproximadamente.

Para saber mais
NANNI, Ângelo E.N, Entre o sonho e a realidade: a constituição do núcleo colonial de Sabaúna.

Fontes
BARBOSA, Ruy, Os antigos conventos e seus bens
Arquivo Histórico de Mogi das Cruzes, Atas da Câmara, Livro de ofícios 1874 – 1899
Arquivo do Estado de São Paulo, Livro de conta dos imigrantes 1890 – 1893, caixas Sabaúna

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