quarta-feira, 23 de janeiro de 2013

Caminhos Antigos XXI


As festas do passado e a cidade
Igreja de N.Sra. da Penha. Caputera

Hoje, quem segue pela rua Dr. Deodato Wertheimer, sentido Bertioga, no trecho final desta rua, encontra a avenida Prefeito Francisco Ribeiro Nogueira, que no seu terço final tem a direita o conjunto habitacional Nova Bertioga (Bertioguinha), a Escola Estadual Irene Caporalli e a esquerda a Vila Caputera, onde escondida por casas e torres de alta tensão ergue-se a pequena igreja de Nossa Senhora da Penha, local de concorridas e esperadas festas na década de cinquenta e sessenta, mas que foi desaparecendo e hoje faz parte da memória de poucos.

A expansão da cidade tornou este trajeto comum a muitos que residem para os lados da Vila da Prata, Conjunto São Sebastião, Residencial Rubi, Vila Moraes, etc, mas a pressa do dia a dia, a paisagem da cidade, cinza e monótona nas vias expressas, esconde o que ali existe e é um registro importante da história do município, que envolve a vida no bairro Caputera e as festas na igreja de Nossa Senhora da Penha, outrora também conhecida como a “Penhinha” e que levava as pessoas nos anos 1950 e 1960, do centro da cidade, seguindo o caminho apontado, percorrer em aproximadamente 35-40 minutos, em procissão, cerca de quatro quilômetros até o santuário, na primeira quinzena de setembro.
Refizemos os caminhos da cidade, do centro “de Mogi” para o “distante” Caputera dos anos 50 tendo por guia, dona Regina Montserrat Soares Pinto, nascida em 1947, na cidade de Santa Isabel, que se mudou com a família para Mogi em 1951, onde seu pai, seu Anésio, conduzia um bar e armazém de secos e molhados, no bairro do Caputera no início da estrada Capela do Ribeirão (atual avenida Francisco Nogueira). No armazém encontrava-se tudo o que era necessário, arroz, feijão, fumo de corda, artigos de limpeza, bacalhau e mantas de carne seca, anexo havia o bar com aguardente, cerveja e cigarros. Mais tarde seu pai construiu o Bar Chave de Ouro, em frente do antigo secos e molhados.
Na década de 40, a cidade de Mogi das Cruzes, seguia os passos da política nacional iniciada por Getúlio Vargas e recebia industrias de base como a siderúrgica Companhia Mineração Geral do Brasil, fabrica de papel e outras.
Desta maneira aumentava o fluxo de pessoas que procuravam a cidade, vindas de outras regiões próximas ou mais distantes como Minas Gerais, Norte, Nordeste e constatado no censo do IBGE para 1950, como uma das cidades que mais crescera nos últimos recenseamentos, apresentando 31.782 habitantes presentes na cidade e 62.218 habitantes no município. A cidade com ruas de terra ia ficando para traz com o crescimento, e a pedreira de João e Pedro Fernandes, existente no Caputera, fornecia as pedras aparelhadas, como paralelepípedo, para o calçamento de Mogi e São José dos Campos. Perto dali, a “casa dos baianos”, serie de casas de aluguel que ficaram conhecidas por esse nome por abrigar geralmente migrantes que chegavam à cidade para trabalhar.

Mogi, região central, 1956
No inicio da década de 50, a companhia cinematográfica Kino Filmes pleiteava a instalação de estudios na cidade, os cinemas exibiam a novidade dos filmes em 3° dimensão e a produção agrícola crescia junto com a cidade, abastecendo mercados distantes e novas festas ligadas a agricultura eram realizadas como a Iº Festa do Caqui em 1952.



Papel Simão, 1959
Operários movimentavam a cidade e se organizavam, como na greve dos trabalhadores da Mineração Geral do Brasil em 1945, seguidos pelos da fabrica de tecidos e fabrica de papelão, em seguida sendo fundado o sindicato dos metalúrgicos em 1948, depois o sindicato dos trabalhadores de industrias de tecelagem e fiação em 1951 e por fim em 1958 o sindicato dos trabalhadores na industria do papel.

Mineração Geral do Brasil, 1956
Com o crescimento das cidades, é restabelecido a função de inspetor de quarteirões, primeiro no município de São Paulo em junho de 1950, em decreto do governador Adhemar de Barros, depois em 1956 com Jânio Quadros para todo o estado. O inspetor era escolhido pelo delegado de polícia, atuava nos bairros mais afastados do centro e na zona rural, deveria ter profissão definida, bom conceito perante o público e principalmente residir na área de inspeção.
O inspetor tinha por finalidade auxiliar a atividade policial ao informar sobre contraventores, pessoas que por ventura perturbassem a tranquilidade pública, prevenir crimes e elaborar um cadastro do quarteirão. Sua função não era só policial, mas também politica, ao informar as autoridades sobre os acontecimentos cotidianos do bairro.
Os acontecimentos cotidianos do bairro do Caputera passavam pelo armazém do senhor Anésio que funcionava praticamente como um “centrinho” do bairro. Os trabalhadores da pedreira, atras de onde hoje fica a Vila da Prata, compravam lá, em “caderneta” , assim como gente das granjas e olaria, existentes na região, os agricultores vindos de Taiaçupeba ou Biritiba Ussu, lá deixavam seus produtos para vender, assim como a correspondência para os habitantes do bairro (cartas vindas do norte e nordeste) era entregue no armazém para distribuir, pelos ônibus que seguiam para Taiaçupeba. Num canto da venda, usando um boné de napa e bebendo cachaça ficava Geraldo “Coisa Ruim”.
Muitas crianças nasciam pelas mãos da parteira do bairro, dona Rosa Fulgaro, o “médico de almas” ou benzedor de crianças “Ditinho do Lago” resolvia problemas como susto, mal olhado, e entre os momentos de brincadeira, perto da venda funcionava a Escola Municipal Nossa Senhora da Penha, onde as crianças as vezes sentavam de três em uma mesma carteira, tendo o tinteiro ao meio para a escrita com caneta de pena.
No alto do morro do Caputera, havia as três cruzes, três pequenas capelas, duas voltadas para a cidade e uma no sentido contrario, guardavam a fama do local onde estavam, de perigoso e violento. O inspetor de quateirão tinha muito trabalho sábado a noite, quando saiam as maiores brigas movidas a cachaça.
As casas de moradores recebiam variadas festas e a de São João, na capela de São Benedito, no sítio Floresbela do seu Elídio era concorrida.
Um dos grandes momentos do bairro ou talvez o maior momento era a aguardada festa de Nossa Senhora da Penha, festa conhecida não só no entorno mas no centro da cidade de onde partia animada procissão acompanhada de banda de música.
Imagem de N. Sra. da Penha
O dia da festa iniciava as 6 horas da manhã, com a queima de morteiros com 21 tiros, no bairro do Caputera, enquanto, no centro de Mogi, percorrendo o trajeto da casa dos festeiros do ano, a procissão partia as 13:00 horas pela rua Dr. Deodato, em direção ao começo da estrada capela do Ribeirão, com queima de rojões, mandado fazer em fogueteiro de Arujá, tendo no cortejo, o povo da festa, a banda Santa Cecilia e festeiros.
No caminho, passando por plantação de flores como copo de leite, palma, cravo, o cortejo chegava ao armazém, pegava o andor de Nossa Senhora da Penha já previamente decorado e próximo da igreja, o sino começava a repicar anunciando a chegada “do povo da cidade e do bairro”, segundo dona Regina.
A frente da igreja decorada com bandeirinhas, mastro branco e azul e a bandeira de N. Sra. da Penha, compunham o cenário da festa, animada com distribuição de rosa sol, leilão de prendas, onde se destacava o “jacaré”, um pão artesanal, com mais de 1,5 metros, figurando um jacaré, “com cabeça, patas e aquele rabão curvo” como recorda Dna. Rê. Curiosamente, na imagem de N.S. da Penha, encontramos um enorme jacaré encostado nos joelhos de um peregrino após matar a cobra que lhe ameaçava.
A banda tocando um dobrado, juntava-se ao som da torcida por quem se aventurava a subir no pau de sebo, e pegar o premio em dinheiro no alto do poste de madeira.
No final da tarde havia missa e nova procissão pelos arredores. No rancho anexo era servido o café para “o povo”, com pão e biscoito, feito numa cozinha onde as senhoras recolhiam água em poço para o café, feito em fogão de lenha.
Não só as festas de devoção atraiam as pessoas, mas as peregrinações para Bonsucesso, Pirapora ou Aparecida eram comuns, seja de caminhão ou carros de praça que eram alugados para a viagem como o Stubaker Comander 1951 do Sr. Dino, motorista que trabalhava no centro de Mogi.
Festas e peregrinações, principalmente em grupos, eram momentos de compartilhar.


Para saber mais:
http://www.ibge.gov.br/seculoxx/arquivos_pdf/populacao/1952/populacao_a1952aeb_28_a_30.pdf
http://www.ibge.gov.br/seculoxx/arquivos_pdf/populacao/1952/populacao_a1952aeb_12_a_27.pdf
http://www.al.sp.gov.br/repositorio/legislacao/decreto/1950/decreto%20n.19.470-A,%20de%2006.06.1950.htm
http://www.al.sp.gov.br/repositorio/legislacao/decreto/1956/decreto%20n.26.142,%20de%2019.07.1956.htm
O populismo visto da periferia: adhemarismo e janismo nos Bairros da Mooca e São Miguel Paulista, 1947-1953, Adriano Duarte. Paulo Fontes, http://lanic.utexas.edu/project/etext/llilas/vrp/fontes.pdf