sábado, 7 de julho de 2012

Caminhos Antigos VII


Abelhas no Itapety: natureza e cultura
Nos séculos iniciais de colonização, os portugueses, nas entradas para o sertão, aprenderam com os índios a coletar o mel das abelhas nativas de nossas matas.
Nos caminhos da modernidade, hoje encontramos nas prateleiras de hipermercados e supermercados grande oferta de mel e outros produtos originários de diversos apiários que trabalham em escala industrial e todos ou pelo menos a maioria usam as abelhas de origem européia para produzir o mel que chega para o consumo, sendo que as abelhas nativas, apesar do sabor do mel, foram deixadas de lado em vista da baixa produtividade.
Já dizia Aires de Casal, em 1817, sobre as abelhas brasileiras, que existiam diversas espécies, “mas nenhuma delas se pode comparar com a única européia na utilidade de seu produto. A chamada Ururu é a mais numerosa, e de cor parda. A mumbuca é anegrada. A mandassaia negra e curta. Toda as três são do tamanho da européia. A tupim é menor. A teuba é também pequena e amarelada. A cupineira, assim denominada porque ocupa a casa do cupim, faz bom mel. A tataíra e a saranhó. De todas essas espécies só as duas ultimas são perigosas. A getaí é do tamanho de mosquito, e fabrica um mel muito líquido e delicioso. A caruara é pouco maior. A preguiçosa é do tamanho da getaí e fabrica um mel sem gosto. A denominada mosquitinho é muito pequena e mora no chão. Nenhuma destas espécies fabrica favo como os da Europa.”
Conhecido dos antigos moradores da terra, sertanistas e índios, o mel muitas vezes contribuiu para alimentar aqueles que entravam pelo sertão e a existência de mel nas matas, em grande quantidade, serviu também como mantimento daquele morador que se estabelecia pelos caminhos, sendo, segundo Sergio Buarque de Holanda, hábito entre os caboclos de São Paulo trazer de suas entradas na mata, pedaços de tronco contento abelheiras de mandaçai, ou favos capazes de reprodução e o mesmo autor arrematava com a pergunta, “não constituiria herança indígena?”
Apesar deste costume de “criar” as abelhas, o certo é que após os primeiros séculos de colonização, com o avanço do homem, a ocupação e destruição das florestas, principalmente através das queimadas, contribuíram para o desaparecimento das abelhas nativas, como é exemplo a zona cafeeira do Vale do Paraíba e Oeste paulista, onde a derrubada e queima da mata isolava o café de potenciais agentes polinizadores, como as abelhas, o que diminuiu os rendimentos de 10% a 15%, assim, não só a baixa produtividade contribuiu para o desaparecimento das nativas, mas também a destruição de seu ambiente.
Pensarmos em antigos caminhos, natureza e cultura, nos remete à Claude Lévi-Strauss. É novamente o grande antropólogo que nos fornece indícios sobre as dificuldades no convívio com estas pequenas abelhas ou melíponas:
Irapuá ( Trigona sp). Foto:  W.B. Campodônio
[…] o regime alimentar das melíponas é mais variado do que o das abelhas do Velho Mundo e que elas não desdenham as substâncias de origem animal. […] as melíponas se interessam pelas mais diversas matérias, desde o néctar e o pólen até a carniça, a urina e os excrementos. Não é, portanto, de surpreender que seus méis sejam consideravelmente diferentes dos fabricados pela Apis mellifera quanto à cor, consistência, sabor e composição química. Os méis de melíponas são frequentemente muito escuros, sempre fluidos e cristalizam mal, devido a seu elevado teor de água.
Alguns méis com composição alcalina são, aliás, laxantes e perigosos, alguns, até mesmo embriagantes, como o mel da 'feiticeira', abelha   encontrada no Estado de São Paulo.
Apesar de alguns perigos evidentes, o mel selvagem sempre exerceu enorme fascínio sobre a nossa população tradicional. É ainda o antropólogo que nos diz:
Seja como for, o mel selvagem apresenta para os índios um atrativo que não se compara com o de nenhum outro alimento e que, como notou Ihering, assume um caráter verdadeiramente passional: “O índio... (é) fanático pelo mel-de-pau”.

As abelhas da Serra
Os filhos de José Rubens Batista e Antonia Batista, Marcos Rogério Godoy Batista e Rubens Batista, administram uma área de cerca de 71 alqueires em boa parte constituída por mata nativa. Nesta ilha de vegetação, harmoniza-se uma casa de taipa com aproximadamente 130 anos.
Esta harmonia, vem de uma decisão familiar tomada com o falecido pai em 1990: deixar gradualmente a pecuária e investir na apicultura, na comercialização de mel, própolis e geleia real.
Trabalhar com abelhas implica no compromisso de manter e preservar plantas, flores e animais da região e de procurar expandir a atividade para outros moradores: "As abelhas foi a forma encontrada pela gente para não precisar vender nenhum pedaço da nossa da nossa área. O gado estava em baixa, não conseguíamos mais vender tanto leite e queijo e se não tomássemos providência acabaríamos perdendo, como tantos outros, algum espaço" (O Diário, 1993 :18).
Atualmente, o apiário empenha-se na obtenção de méis de abelhas nativas ou indígenas sem ferrão, assim conhecidas por serem dóceis e não possuírem ferrão. Neste sentido, o Brasil é possuidor de ampla biodiversidade incluindo-se abelhas pertencentes ora a espécies solitárias, ora a espécies sociais: são mais de 300 espécies de meliponídeos identificados no mundo e destas, aproximadamente 200 vivem no Brasil, agrupadas em treze famílias ou subfamílias, destacando-se os gêneros Melipona ( Meli = mel + ponos = trabalho ), literalmente as trabalhadoras com mel e Trigona por apresentarem interesse alimentar. Estas abelhas exercem fundamental importância na polinização e preservação de centenas de espécies vegetais em diversos biomas.
Jatai ( Tetragonisca sp). Foto:  Christiano Figueira
As meliponídeas costumam habitar colonias perenes e a maioria faz ninhos em troncos de árvores, algumas em cupinzeiros, no solo e outras ainda constroem ninhos expostos ou em construções humanas. As espécies mais comuns, encontradas na Serra do Itapeti são: Jataí, Mandaçaia, Irapua e Manduri.
Contudo, a transição da pecuária para a apicultura não foi imediata. Foi um longo aprendizado que consumiu mais de vinte anos de preparativos, aplicação e paciência. No início, a opção pela abelha “europa” (Apis mellifera), levou em consideração sua sustentabilidade e rendimento, transformando-se rapidamente na principal atividade do núcleo familiar.
Entre os meses de setembro e outubro de 1994, a Serra do Itapeti foi vitimada pelo que foi talvez, o maior incêndio florestal já registrado na região. O fogo se estendeu por até 4 dias, destruindo todas as condições de biodiversidade favorável às abelhas indígenas, concorrendo para a sua quase total erradicação. Foi nesse período, que Marcos, seu pai José Rubens e demais familiares, procuraram recuperar parte da vegetação destruída com a distribuição de sementes de espécies nativas e a utilização da abelha “europa”, para a polinização e dispersão em massa desta vegetação. Vinte e cinco colmeias foram instaladas próximas das primeiras florações, de forma a promover a multiplicação destas essências.
Mas isto apenas por um período, pois a abelha “europa”, por sua grande capacidade de reprodução, chega a concorrer com as nativas na busca por alimento. Graças a estas medidas, atualmente observa-se um significativo aumento destas abelhas no Itapeti e consequentemente do início da produção melífera. A técnica é minuciosamente descrita por Marcos:
O projeto de recuperação das abelhas nativas relaciona-se, principalmente, na distribuição de ninhos iscas na mata, em substituição aos ocos das árvores destruídas no incêndio de 1994 (seus habitats naturais). Procedeu-se desta forma para evitar o abate de novas árvores pela remoção predatória de méis e enxames por melicultores.
“Fizemos várias “iscas” para a captura dos enxames feitas com “taquara gigante”. Muito embora os técnicos recomendem garrafas PET, achamos agressivas ao ambiente. Os gomos são abertos e vaporizados com uma mistura de própolis e cera de mais de 8 tipos de espécies de abelhas indígenas, deixando-se apenas uma pequena abertura para a entrada do enxame, onde se insere um pequeno cotovelo de PVC, com a extremidade interna voltada para cima, o que fornece ao conjunto, o aspecto de um cachimbo. Isso é feito para evitar a entrada de água e servir simultaneamente de passagem para as abelhas.
Em três anos de atividade, foram distribuídos mais de 100 ninhos iscas em vários pontos da Serra, sendo que apenas 25% nidificaram. O motivo, deve-se provavelmente à falta mundial de mel, fenômeno que vem ocorrendo nestes últimos quatro anos. Das iscas que nidificaram, 10 são da espécie Jatai, 4 de Mandaçaia, 2 Irapuã e 1 de Manduri. O restante foi nidificado por formigas e vespas ou sofreram ataques de outros animais. De acordo com a espécie, fabricamos diversos modelos de colmeias, como a Jatai e Mandassaia. Uma abelha em extinção, que temos encontrado na região do “serramar” é a urupum, muito bonita, com coloração café com leite.”
Pela polinização com esse tipo de abelhas garante-se a qualidade vegetativa dos ecossistemas, em função da melhoria e aumento da quantidade de frutos e sementes, e essa por sua vez, na condição de alimentação farta, abrigo e locais de nidificação de outras espécies de abelhas, mas também animais e aves.
A lida com as abelhas indígenas, significa uma série constante de viagens para a localização de enxames e troca de experiências com outros apicultores. É necessariamente uma atividade colaborativa, autossustentável, não predatória e educativa. Por exemplo, as abelhas do gênero Apis são grandes, não conseguindo polinizar determinados tipos de florações. Já as abelhas indígenas são em geral bem menores e por isso mesmo, capazes de uma faixa muito mais ampla de polinização.
Quero devolver à Serra do Itapeti o que já existia no passado, o que há de mais precioso e importante para o seu ecossistema: as abelhas sem ferrão, concorrendo desta forma a transformar a região em um santuário ecológico e simultaneamente estimular esta atividade para outros melicultores desta e demais regiões.
Duas características recomendam uma visita ao Apiário Cruzeiro do Sul: uma conversa informal com o apicultor, que consiste em uma verdadeira aula sobre a natureza destas pequenas e preciosas abelhas nativas e conhecer o trecho original do antigo Caminho do Lambari, que conduzia tropas de muares e mercadorias de Santa Isabel e Itapeti para a região Central de Mogi das Cruzes. O caminho, na verdade o valão da antiga trilha, permite antever remanescentes vegetais de uma floresta bem conservada e, ao estender-se rumo ao Bairro do Rodeio, verificar os estragos provocados por uma ocupação desenfreada.
Abelhas Indígenas Brasileiras
Nome Popular                           Nome Científico
Abelha do cupim                       Aparatrigona impunctata
Feiticeira                                   Trigona recursa (Holmberg)
Irai                                            Nannotrigona testaceicornis (Lepeletier)
Irapuá                                       Trigona spinipes (Fabricius)
Jandaira                                     Melipona subnitida
Jatai                                          Tetragonisca angustula angustula
Lábios de morena                      Leurotrigona pusila
Mandaçaia                                Melipona quadrifasciata quadrifasciata
Manduri                                    Melipona marginata carioca
Moça branca ou mosquito         Frieseomelita tricocerata
Moça preta                               Frieseomelitta silvestrii (Friese, 1902)
Mombuca carniceira                 Trigona hypogea (Silvestri)
Uruçu amarela preguiçosa         Melipona puncticollis 



FONTES:

TORRES, Marco Aurelio Silveira. Apis Guia. Disponível em  http://www.apisguia.com.br/?pagina=abelha_lsg&id=40.
CAMPODONIO, W.B. Macro - Abelha preta (arapuá). Flickr. Disponível em http://www.flickr.com/photos/wagnerbacciotti/4343201027/. Acesso 07 Maio 2012.

Para saber mais
FIGUEIRA, C. Abelhas do Brasil. Disponível em http://abelhasdobrasil.blogspot.com.br/2011_06_01_archive.html. Acesso 07 Maio 2012.
HOLANDA, S.B. de. Caminhos e Fronteiras. 2. ed. Rio de Janeiro: Liravia José Olympio, 1975.
LÉVI-STRAUSS, C. Do mel às cinzas. Sao Paulo: Cosac e Naify, 2005.
MIRANDA, Adriana. Serra, motivo de orgulho para a cidade. O Diário. Suplemento Especial. Mogi das Cruzes, 01 de Setembro de 1993, pg. 18.
TAUNAY, Visconde de. Céus e Terras do Brasil. 7. ed. Rio de Janeiro: Francisco Alves, 1930.
Podcast: veja em <www.dialeticacultural.net/podcast> a entrevista com Marcos Batista: uma verdadeira aula de apicultura caipira!

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