domingo, 22 de julho de 2012

Caminhos Antigos IX



A serra do Itapeti, o secular espantalho, as tropas e as estradas da terra

No inicio do século XX vivia-se a realidade da expansão urbana e da industrialização que exigia a elaboração de uma complexa rede interligando as cidades a partir do centro, da capital. Era o crescimento da malha ferroviária e das estradas de rodagem para conduzir e escoar matéria-prima e bens. Muitas destas “novas” estradas, irão surgir justamente seguindo antigos itinerários e roteiros de tropas de pequenas comunidades rurais.
Um mapa representa uma determinada realidade geográfica, política ou econômica e no contexto de industrialização e urbanização das primeiras décadas do século XX vemos surgir os mapas rodoviários ou de viação.a rodoviário do Estado de São Paulo mostrava, na região de Mogi das Cruzes, a ligação da cidade com São Paulo, Jacareí e Salesópolis, tendo a ligação com esta ultima cidade ficado pronta no período 1919-1921 com subvenção do Estado.
Hoje, quando as estradas importantes da região, como a Mogi Dutra que completa quarenta anos e a Mogi Bertioga trinta, outra estrada menos conhecida, mas outrora importante, a Mogi-Santa Isabel, alcança seus oitenta anos desde sua abertura ao trafego de veículos.
No primeiro semestre de 1932, quando a ligação entre os dois municípios ficou pronta, Mogi das Cruzes contava com trezentos quilômetros de estradas, conservados ou reparados pelos próprios moradores do entorno das vias (como estabelecia o Código de Posturas Municipais), com o auxilio da Prefeitura em relação ao fornecimento de materiais para a realização das obras. Havia no município as seguintes estradas:César de Souza - bairro de Santa Catarina, Ponte Grande-Rio Abaixo, a do bairro do Rodeio que segundo a prefeitura “ficou uma das melhores do município, mantida à expensa dos proprietários circunvizinhos”, do Santo Angelo - Quatinga que dava acesso a linha de trem da São Paulo Railway, no alto da serra do mar e comportava o trânsito de “automóveis de carga e passageiros”, Suzano - rio Tietê e Ponte Grande - Taboão que ficara a cargo da prefeitura arrebentar e retirar pedras que impediam o transito de cargueiros e cavaleiros que transitavam por ela, sendo esta via, importante rota de abastecimento dos produtos destinados ao Mercado Municipal, para consumo diário da população.
Da mesma maneira que a via Ponte Grande - Taboão era importante para escoar a produção do Itapetí, a ligação Mogi - Santa Isabel atravessava, segundo relato da época, a região mais produtiva do município, mobilizando para as obras cerca de duzentos moradores da zona cortada pela estrada que trabalharam gratuitamente por dez dias.
Partindo de veredas seculares por onde transitavam tropas de mulas e que continuavam a servir de caminho para a cidade, pôde a prefeitura na época, abrir uma estrada carroçável a partir de informações de um antigo mogiano conhecedor daquelas paragens.
Finalizada a ligação entre os dois municípios no início de 1932 o relatório da prefeitura dizia:”Considerada intransponível por veículos a serra do Itapeti, já se pode ir de automóvel até sua base oposta ao Tietê, até a vertente do fértil Paraíba” e por fim arrematava que se conseguira vencer, sem maiores dificuldades, “o secular espantalho”.
Lembranças do Itapeti
Não se trata de falar apenas da construção de uma estrada, mas sim de conhecer a circulação das tropas de comercio, negociantes, pessoas diversas e o ir e vir dos habitantes da região.
Para o morador das regiões detrás da serra, havia três maneiras de chegar até Mogi das Cruzes, sendo a primeira pela estrada Mogi - Santa Isabel cujo marco era a gruta Santa Teresinha, a segunda pela Cruz do Século saindo na Ponte Grande e a terceira seguindo onde hoje temos a estrada do Lambari, mas que nos anos 30-40 era um “valão” cortando a mata, por onde os animais andavam e tinha como destino o atual bairro do Rodeio.   
Frequentador destes caminhos durante a juventude o senhor Luis Rodrigues, 86 anos, atual morador de Santa Isabel nos contou sobre os antigos caminhos que ligavam o bairro rural do Taboão ou genericamente “o Tapeti”, com a região central de Mogi das Cruzes, sobre o pouso das tropas às margens do Tietê, nas proximidades do atual Clube Náutico Mogiano e do comércio realizado por estes pequenos produtores rurais.
Nascido em 1926 a sua lembrança alcança o tempo em que tinha oito ou dez anos de idade e vivia no Itapeti, subia na garupa do cavalo junto a seu pai, que era “engordador de porco”, os cargueiros carregados e se punham em marcha para Mogi das Cruzes, levando quatro horas a viagem, dividida da seguinte maneira, duas do local em que morava até a Cruz do Século, onde hoje encontramos as torres de televisão, numa subida íngreme onde carro de boi não passava e mais duas de descida até o pé da serra e depois como destino o pasto onde as tropas de animais ficavam estacionadas antes dos produtos serem levados ao mercado. Havia também um pouso no Rodeio onde os burros descarregavam carvão.
 O transito de carros de boi se tornou possível, tanto para quem vinha para Mogi como para quem subia a serra, justamente a partir da conclusão da Mogi - Santa Isabel que propiciou aos proprietários de armazém, no Taboão e no Itapeti, vir buscar tambores de querosene em Mogi para abastecer os moradores.
Neste mundo do sertão do Itapeti dos anos 30, automóvel era coisa rara e quanto tinha sete anos de idade, o senhor Luis lembra dos tempos em que sua tia ia vender milho, destinado a alimentação de animais cargueiros, para os carvoeiros que haviam comprado vários alqueires de mata virgem no Itapeti e eram proprietários de “um caminhãozinho caixa de fosforo” e se diverte lembrando o espanto das pessoas que comentavam que os “espanhois” haviam comprado “um triste de um caminhão, tem dois pneus atrás”. No final da década de trinta e início de quarenta o trabalho com o carvão foi grande no Itapeti, “serviços da roça” como diz o senhor Luis, pois, além da lida com animais de criação e plantação, havia o trabalho nos fornos de carvão, atividade assim descrita: colocava-se no forno dois a três metros de lenha, deixava fechado queimando por três a quatro dias e para retirar o carvão tinha que ser abaixado porque em pé não se aguentava o calor. No relato a lembrança das matas onde existiam perobas rosa e outras e o lamento do artesão que hoje transforma a madeira em arte ao construir violas.
Para as tropas que chegavam na cidade com mercadorias destinadas ao mercado, havia um pasto destinado aos animais, onde hoje é o Clube Nautico Mogiano e também uma série de “quartos de aluguel” para os tropeiros pousarem enquanto faziam seus negócios.
Todo sábado o pai do senhor Luis, um sitiante chamado José Rodrigues possuidor de oitenta a cem porcos, vinha para Mogi vender frango e os porcos que engordava, levava na volta, farelo para cevar os animais e alguns pedidos de sitiantes que se juntavam em grupo de três ou quatro pessoas para lotar os cargueiros com encomendas como, latas de querosene que vinham encaixotadas na cangalha dos animais, panos, farelo, “compras de armazém” e latas de banha. No Natal as leitoas eram as encomendas preferidas e algumas tinham destino certo, “um juiz de direito que morava perto do Carmo”.
Se traziam as mercadorias para a cidade, as estradas também traziam o povo para as festas e na memória do senhor Luis tem lugar especial as cavalhadas no Largo Bom Jesus porque seu pai era “contra mestre e corredor da cavalhada” do grupo do Taboão com quarenta cavaleiros trajados em azul e vermelho, sendo que havia grupos de Biritiba e outros.
Lembranças que geram lembranças da dureza da vida no sítio marcado pela imagem das pessoas descalças, “tudo trabalhador, tudo descalço” .
Hoje o senhor Luis é um grande construtor de violas de dez cordas, levando adiante uma tradição secular.



Tabela das estradas do município em 1932

Cesar de Souza-Santa Catarina
Ponte Grande-Rio Abaixo
Estrada do Rodeio
Santo Angelo-Quatinga
Ponte Grande-Taboão
Suzano-Rio Tietê
Mogi-Santa Isabel

Código de Posturas Municipais
Era um documento constituído de uma série de artigos normatizadores, que determinava a largura das ruas e calçadas, o comportamento do cidadão, punições, etc. Buscava reger as relações sociais criando regras de conduta para os indivíduos.

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