sexta-feira, 19 de abril de 2013

Sobre barões e brasões

O brasão vem da tradição europeia de tempos medievais e é um desenho especificamente criado com a finalidade de identificar indivíduos, famílias, clãs, cidades, regiões e nações.
O nobre europeu sempre ostentava um brasão e a nobreza do Brasil, desde os tempos coloniais, sofreu influencia direta da nobreza portuguesa, não sendo porem uma nobreza de sangue, hereditária, mas individual.
coroa de barão

Mas quem poderia ser nobre no Brasil Colonial?

A nobilitação surgia ligada aos feitos militares, quer se tratasse da apropriação de territórios (aqui temos o apresamento indígena e sua utilização como mão de obra) ou expulsão de estrangeiros do litoral brasileiro.
Com o avanço da colonização e aumento das vilas surgia uma rede administrativa de câmaras e seus vereadores, funcionários reais, da Justiça e Fazenda, ordenanças, milicias locais que foram recebendo títulos de nobreza pelo simples exercício destas funções.

“O alvará de 29 de julho de 1643 esclarecia que não deviam ser indicadas pessoas mecânicas nem de 'nação'”(de sangue infecto ou baixa limpeza), isto é, estavam excluídos dos cargos e títulos os trabalhadores manuais, o artesão, pessoas não cristãs (judeus, mouros, considerados sangue infecto) e gentilicos.
Já no período colonial alguns homens de negócios recebiam seus títulos, mas, com a vinda da família real em 1808 aumentou significativamente a distribuição de merces e comendas para a elite mercantil que acudia a Corte ou realizava bons negócios para a Coroa.
Brasão com escudo classico portugues
A teia nobiliárquica se estende durante o segundo império e uma profusão de títulos passa a ser concedido, indo desde o Duque (2:450$000), Marques (2:020$000), Conde (1:575$000), Visconde: 1:025$000 e finalmente Barão (750$000) que ao lado do Coronel da Guarda Nacional representava o poder local como donos de terra plantada com café e proprietarios de escravos.Todos defidamente agraciados com seus títulos e identificados com seus brasões.
Com a República em 1889 terminava a era dos títulos nobiliarquicos, porém, as cidades no início do século XX passam a idealizar seu passado lançando mão de brasões e escudos que evocavam um passado mitico e imaginado, através das alegorias dos brasões.
Agora no caso das cidades, assim como nos brasões da nobreza, as tradições inventadas (Eric Hobsbawm), construidas e institucionalizadas, visavam propor valores e normas de comportamento (identidade) recorrendo ao passado, utilizando a História como legitimadora das ações.
Desta maneira, em 1915, a Camara Municipal de São Paulo e o prefeito Washington Luis estabeleceram um concurso para a escolha de um brasão para a cidade.As regras exigiam ser o brasão um “simbolo dos feitos do passado, desde a fundação da cidade até aquela ocasião”, (o simbolo é utilizado oficialmente até hoje).
Brasão paulistano
Os vencedores foram Guilherme de Almeida e José Walsh Rodrigues e a frase em latim Non Ducor Duco ( Não Sou Conduzido, Conduzo) traduzia a mítica da superioridade paulista e o pensamento da oligarquia cafeeira paulista, dominante na primeira Republica.

A produção de simbolos ganhou impulso por volta de 1922, ano da comemoração oficial dos 100 anos de Independência do Brasil, quando Affonse Taunay, diretor do Museu Paulista ornamentou o museu para sedimentar a construção de uma concepção de identidade nacional.
Mais tarde (1925) encomendou os escudos (brasões) das mais antigas cidades do Estado de São Paulo, marcadas pela tradição bandeirante: São Paulo, Santos, São Vicente, Itu, Sorocaba, Taubaté, Parnaíba, Porto Feliz e Itanhaém..
Estes nove brasões foram encomendados em 1925 a José Wasth Rodrigues, que recebeu a encomenda no ano seguinte. Os brasões expostos no início de 1926, como previsto, receberam nota no jornal Correio Paulistano, que os classificou como “centros primordiais e principais de bandeirantismo.”
Diante destas produções de brasões, o prefeito de Mogi das Cruzes ( PRP) encomenda e estabelece o brasão mogiano em 1929.
Com a Revolução de 1930 vencedora e uma nova ordem em vigor na cidade, em 1931 novo brasão é encomendado, a Affonso Taunay e José Walsh Rodrigues, autores de vários brasões de cidades importantes, que figuravam no Museu Paulista e assim a História era utilizada para legitimar um passado bandeirante heroico e idealizado.
Hoje os brasões de família podem ser encontrados na internet, no Mercado Livre por R$ 19,00 Reais. Lembremos porém, que a verdadeira identidade de uma cidade, de um povo é construída por esse próprio povo, através de intervenções participativas e, principalmente, por uma política cultural real e efetiva. Nunca por ossos de barões e brasões.

Fontes:

CÂMARA MUNICIPAL DE SÃO PAULO. 450 Anos de História / Câmara Municipal de São Paulo; texto e pesquisa Ubirajara de Farias Prestes Filho. 2.ed., rev. e atual. São Paulo: Imprensa Oficial do Estado de São Paulo, 2012. 148 p.

HOBSBAWM, Eric, RANGER, Terence, A invenção das tradições. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1997. 316 p.

MAKINO, Miyoko. Ornamentação do Museu Paulista para o Primeiro Centenário: construção de identidade nacional na década de 1920. Anais do Museu Paulista.

SILVA, Maria Beatriz Nizza da, Ser nobre na colônia. São Paulo: Unesp, 2005. 341 p.

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