quarta-feira, 10 de abril de 2013

Tia Anastácia: Porta-Bandeira mogiana


Fonte: Prefeitura Municipal de Mogi das Cruzes
Se consultarmos a WEB, encontraremos um sem número de referências sobre a Bandeira, o Brasão e o Hino do município de Mogi das Cruzes. O site oficial da Prefeitura de Mogi das Cruzes exibe em sua página destinada aos símbolos municipais, matéria específica sobre estes símbolos. Também o Conselho Municipal de Preservação do Patrimônio Histórico Cultural, Artístico e Paisagístico de Mogi das Cruzes (COMPHAP), fornece em seu site informações semelhantes. Isto só para mencionar sites governamentais. Se ampliarmos a busca, veremos que as mesmas informações são reproduzidas em sites colaborativos como a Wikipedia, sites voltados ao turismo e comércio e até mesmo alguns poucos blogs, que com a pretensão de divulgar um conhecimento inédito e original, simplesmente reproduzem estas informações ocultando as fontes.
Mas o que chama mesmo nossa atenção sobre a elaboração da bandeira municipal é sua origem e significado, assim apresentados:
(...) foi instituída e oficializada pela Lei Municipal nº 804 em 29 de novembro de 1956. Possui três  faixas horizontais, sendo a de cima de cor preta, a do meio branca e a de baixo vermelha. Elas representam as raças da população que se formou no município: branca, negra e vermelha (índios). As faixas preta e vermelha tem cada uma 1/4 do total e a do meio tem 2/4, por ter sido maior a contribuição da raça branca. (PREFEITURA MUNICIPAL DE MOGI DAS CRUZES, 2013, grifo nosso).
Fonte: Portal do Professor, MEC.
Em tempo de cotas raciais, da igualdade de direitos e cidadania, das discussões sobre Africanidades, trata-se realmente de uma pérola a distribuição e ordenação de cores presente no pavilhão mogiano, onde a faixa branca central é mais larga para melhor representar uma “maior contribuição da raça branca no desenvolvimento da cidade”. É algo hilário, semelhante à contribuição da Dona Benta de Monteiro Lobato para a gastronomia brasileira. Trabalho intelectual é claro, pois é de domínio público que, quem de fato colocava a mão na massa - e no tacho – era Tia Anastácia.

Hilário, porém perverso. Por isso mesmo, capaz de revelar algumas atitudes presentes (ou ausentes),  do imaginário desta parte “expressiva da população”, branca dominante.Basta dar uma olhada no documento “Classificação de escravos para serem libertados pelo fundo de emancipação de 1874”, do Arquivo Histórico de Mogi e constatar os inúmeros trabalhadores escravos que contribuíram para a manutenção dos serviços urbanos.Ali estão carpinteiros, pedreiros, trabalhadores domésticos, engomadores, pajens, sapateiros, etc, além dos trabalhadores rurais.Todos escravos que mantinham o funcionamento e ordenamento da cidade. 
Afinal, quem construiu Mogi? O nobre bandeirante? O negro cativo, o negro quilombola? Afinal, que matriz étnica compunha este bandeirante senão o mestiço índio-luso, ignorante total da língua portuguesa, mas fluente na nossa hoje esquecida língua brasílica, que semeou nossos principais nomes, e neste caso, o primeiro Mboigy, transformado em Mogi.
Debret: mamelucos conduzindo índios prisioneiros.
Qual a matriz étnica destes brancos, frequentadores de centros de umbanda, apreciadores das “comidas de santo”, contumazes nas cachoeiras e olhos d´água. Qual a matriz étnica destes zulus meditativos, cultivadores dos espíritos ancestrais?
Talvez a única representação possível destas matrizes em tecido seja a fusão graciosa das cores, um borrâo sem fronteiras definidas, cores esmaecentes, mas virtuosas em formar constantemente novos motivos, um multicor caleidoscópio em constante transformação, enfim, uma imagética libertadora, emancipadora, capaz de traduzir nossa constante e mais fremente ambição, nosso devir: o de ser humano. Um devir pleno de justiça e aceitação, o devir de construirmos uma sociedade igualitária.

Fontes:

DEBRET, Jean-Baptiste. Viagem pitoresca e histórica ao Brasil (1834)São Paulo: Editora da USP, 1989, Prancha 20.


PREFEITURA MUNICIPAL DE MOGI DAS CRUZES. Disponível em <http://www.mogidascruzes.sp.gov.br/turismo/simbolos.php#bandeira.>


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