terça-feira, 19 de novembro de 2013

Caminhos Antigos XXIII


Nos rastros do lixo II: cidade ainda busca uma solução

O final do mês de dezembro de 1957 trazia, além da possibilidade de instalação da Usina de Lixo dinamarquesa, outro fato marcante para a cidade que era a finalização da estação de tratamento de água, tida naquele momento como a mais moderna do país e assim como o lixo, responsabilidade do poder público ligado ao saneamento e saúde pública da cidade.
Mas a usina não chegou e sem ela, Mogi continuou a coletar o lixo, agora com caminhões compactadores e a despejar a céu aberto longe das vistas e do centro urbano, mais especificamente na Volta Fria, que desde os anos 60 recebia o lixo e em relatório de 1977 a CETESB informava que os despejos eram feitos em uma antiga lagoa.

Desativado em 2004, o lixão da Volta Fria transformou-se em sitio arqueológico e local de pesquisa no trabalho pioneiro do Prof. Dr. André Wagner Andrade, Arqueologia do Lixo, onde estudou os depósitos de resíduos sólidos da Volta Fria, perfurando e escavando o maciço de lixo, coletando e classificando 14.693 itens.
Entre as várias conclusões do rico trabalho do arqueólogo está a constatação de que há uma efetiva disparidade entre o tempo de degradação dos materiais e o que foi encontrado, por exemplo, o papel jornal recuperado estava legível quando deveria estar degradado (foto).
A constatação mais significativa é que a composição deste aterro é formada por plástico 61,50% o que indica a grande participação da indústria no lixo doméstico, vindo a seguir outros itens 16,60% (serviços de saúde, pilhas, baterias, aerossóis, tintas, solvente, borracha, etc.), papel 8,06%, metais 5,72%, vidros 2,08% e matéria orgânica 6,04%, que no imaginário popular é o grande formador de um lixão.
Se considerarmos que a composição deste aterro pode ser, sem muita variação, a mesma de outros que recebam o lixo urbano, vemos que a participação de itens industrializados desde a embalagem que envolve um produto, até o próprio produto, corresponde a quase 80% dos restos da cidade, sendo que isto nos mostra que, aquilo que chamamos lixo começa num processo que vai da produção (indústrias), passa pelo consumo (sociedade), onde o marketing induz a necessidades aumentando a degradação e o descarte final.
Para a cidade de Mogi das Cruzes a solução da destinação final do lixo ainda não chegou ao fim, apesar da existência de lei específica desde 2010 e de outros municípios estarem muito a frente da cidade como mostra o Diagnostico de Manejo de Resíduos Sólidos Urbanos, mas, a solução do aterro sanitário parece afastada, muito em função da atuação do jornal “O Diário de Mogi” e sua posição contra o lixão através de reportagens e editoriais.
No entanto quais as outras opções de destinação do lixo e qual a solução dos países da Europa do Norte, especificamente a Dinamarca que venderia uma usina para a cidade em 1957?
O Jornal da Ciência, órgão da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência, informava que em 2010 na Dinamarca havia 29 usinas de lixo, atendendo 98 municípios através de cooperativas e consórcios municipais, sendo que a queima do lixo, gerava energia e calor. Dez usinas estavam em planejamento ou execução, dentre elas a maior da cooperativa Amagerforbrænding, planejada para entrar em operação entre 2016-2017.
Amagerforbraending é propriedade de cinco municípios dinamarqueses e a maneira que a sociedade se relaciona com seus restos, descarte e transformação do lixo são o que faz da Dinamarca um país dos mais avançados no setor, e não só nas questões técnicas das usinas. Além da população, empresas são cadastradas para entregar material reciclável, sempre se procura integrar a usina a cidade e não afastá-la (em 1957 dizia se que a usina similar a de Mogi, funcionava em plena cidade na Dinamarca), um conselho decide os rumos da cooperativa sem fins lucrativos, assim como os trabalhadores de Amager são ouvidos.
A opção de queima do lixo com geração de energia e calor chegou a tal ponto que a Dinamarca espera importar lixo e a Noruega já o faz. Por outro lado isto causa novo problema ambiental, como diz Lars Haltbrekken, presidente da mais antiga entidade ambientalista da Noruega: “do ponto de vista ambiental, a tendência de transformar resíduos em energia constitui um grande problema, por gerar pressão pela produção de mais lixo”. Fora essa questão temos mais dois problemas que são, o nível de dioxina (substancia altamente tóxica e cancerígeno) emitido após a queima dos dejetos, mesmo com filtros sofisticados e isso aumenta com o uso de determinadas tecnologias como “mass burning”.Outro problema está naquilo que não é incinerado devido a temperatura de queima, e que no caso da Dinamarca e Noruega gera resíduo tóxico que é descartado e depositado em antiga mina de sal na Alemanha.
Os dois problemas apontados acima, não ocorrem com o uso da recente tecnologia da tocha de plasma, criada como alternativa às demais formas de tratamento térmico do lixo por não gerar material tóxico, devido às altas temperaturas alcançadas (2000º-10000º) que vitrificam a matéria tóxica pela fusão dos resíduos queimados, que pode ser reutilizada sem perigo, fazendo desta tecnologia, ideal para destruir metais pesados (usados em pilhas e baterias, por exemplo) perigosas para seres vivos e ambiente.
Muitas vezes tida como cara, isto está sendo desmistificado com os trabalhos de Universidades brasileiras e do ITA que desenvolvem a tecnologia do plasma para tratamento de resíduos sólidos urbanos em parceria com empresas de tecnologia.
Atualmente no Brasil existem usinas que funcionam pelo método do plasma térmico, como a Tetrapack, Ecochamas e Realtech em parceria com o ITA, funcionando no condomínio industrial Clariant em Resende.
Hoje, combinação da coleta seletiva, seleção do lixo com potencial energético, método de plasma térmico com geração de energia se mostram como melhor solução para ser adotada num município de porte médio no Estado de São Paulo, como aponta trabalho da Faculdade de Administração da USP. Junto a isto temos uma legislação adequada no país referente aos resíduos sólidos urbanos e os geradores de resíduos, instituindo a responsabilidade das indústrias, do comercio, fabricantes de embalagens, cidadão (tido pelo senso comum como o grande vilão da história) na responsabilidade compartilhada dos restos.
Enquanto aguarda o término de uma licitação para receber estudo sobre o grau de contaminação do local, a Volta Fria pode ter ficado como um marco de uma época mostrando o relacionamento da cidade com os seus restos ao se tornar um “laboratório” de pesquisa arqueológica no trabalho de doutorado, Arquelogia do lixo, e pode se transformar numa área recuperada ambientalmente como fez a prefeitura de São Bernardo do Campo com o plano de recuperação ambiental de seu lixão em 2010, alias o jornal de 1957 que trazia a matéria sobre a usina de lixo, dizia numa outra reportagem, “São Bernardo é um exemplo a ser imitado”.
Continuamos com os mesmos problemas na cidade, apenas atualizados. Hoje é o passado do futuro?
Taxa do lixo
O Piralho 1912 memoria.bn.br
Desde o início do século XX havia o debate sobre o “imposto do lixo” ou uma taxa pelos serviços que eram terceirizados lá pelos idos de 1912 na cidade de São Paulo.
O serviço terceirizado era questionado em sua eficiência pela população e os periódicos de então faziam a critica social sobre o descontentamento geral, como “O Piralho” em 1912, revista literária, política e de humor, fundado por OsPara saber mais:wald de Andrade.
Hoje as taxas do lixo continuam a ser questionadas chegando às consultas até o STF (art. 145. II - Súmula vinculante nº19), assim como a cobrança de taxa de limpeza pública, considerado inconstitucional.

Para saber mais:
ANDRADE, André Wagner Oliani.Arqueologia do lixo: um estudo de caso nos depósitos de resíduos sólidos da cidade de Mogi das Cruzes em São Paulo, USP-MAE. Estudo pioneiro seguindo linha de pesquisa estabelecida nos EUA. Traz completo glossário das palavras ligadas aos resíduos sólidos. 
FURLAN,Walter. Modelo de decisão para escolha de tecnologia para o tratamento de resíduos sólidos no âmbito de um município.FEA-USP. Importante trabalho de doutoramento que direciona a escolha de tecnologia para o tratamento do lixo por parte dos municípios. Dirigida aos representantes do poder público, a pesquisa ligada ao curso de Administração da USP, traz um modelo de decisão para a escolha estratégica das tecnologias mais recentes para o tratamento de resíduos sólidos urbanos. Disponível em <http://www.teses.usp.br/teses/disponiveis/12/12139/tde-20102007-161243/pt-br.php > Acesso Agosto, 2013.
SANTOS, Luiz Cláudio. A questão do lixo urbano e a geografia, UNESP - Rio Claro, 2008. Analisa a produção do lixo, o papel da indústria, formas de consumo e os      problemas sociais e ambientais gerados. www.rc.unesp.br/igce/simpgeo/1014-1028luiz.pdf
UNIVERSIDADE DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO, Tecnologia do Plasma, Laboratório de análise de resíduos – LAR, Março de 2011. Trabalho acadêmico que apresenta a tecnologia do plasma, basicamente um gás ionizado, sendo o exemplo mais simples e conhecido, a lâmpada fluorescente. Uma de suas aplicações, a tocha de plasma é um dispositivo que transforma energia elétrica em calor, utilizado no controle ambiental para inutilizar rejeitos industriais perigosos, resíduos sólidos urbanos e hospitalares, reduzindo a 99% de seu volume original.

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