domingo, 10 de junho de 2012

Caminhos Antigos V



Fortaleza de Bertioga e terrapleno feito em 1775
Caminhos da Bertioga: da fortaleza colonial ao turismo atual
Apesar de separadas pela Serra do Mar e cada cidade viver sua própria realidade, Mogi das Cruzes e Bertioga sempre estiveram muito próximas, tanto que no período colonial, por questões de abastecimento, o povo de Mogi descia a serra por caminhos diversos que compreendiam a via que tinha por destino Boracéia e região, ou pelo Campo Grande (atual Taiaçupeba) desembocando próximo do Rio Itapanhaú.
A comunicação de Mogi das Cruzes com o litoral, no início do século XVIII, sofreu as consequências da descoberta de metais preciosos e receios da coroa portuguesa quanto ao livre acesso às minas, assim os três caminhos que de Mogi levavam à Santos foram fechados por ordem real.
Por essa mesma razão a fortaleza da Bertioga passou em 1724 por uma reforma que a dotou de uma construção feita de pedra e argamassa ao invés de somente estacas de madeira, pois se esperava que o porto de Santos tivesse um incremento no comércio e possivelmente fosse alvo de piratas.
Anos depois, em 1775 as reformas na fortaleza da Bertioga, feitas a mando de D. Luis Antônio de Sousa Botelho Mourão, governador da capitania de São Paulo, faziam parte de uma série de medidas que objetivaram defender o território da coroa portuguesa que vivia litígios com o Império espanhol além de continuar a guarnecer a vila de Santos.
Podemos ver na primeira planta a reforma empreendida para reparar os danos causados pela ação do mar no muro lateral da fortaleza e em seguida, na segunda planta que nos mostra a entrada do canal de Bertioga, vemos as novas estacas que circundavam o forte para reforçar a defesa e do outro lado do canal, a “armação das baleias”, onde hoje ainda podemos encontrar alguns vestígios da construção, as estacas e paredes de pedra que compunham o fortim do lado oposto à fortaleza da Bertioga para cruzar tiros com o Forte São João e não permitir a entrada pelo canal para ameaçar e atingir Santos.
 
    Fortaleza da Bertioga que D Luis mandou fazer em 1775
O século XIX assistiu o esquecimento do Forte, o ocaso da armação das baleias e a dura sobrevivência da vila de pescadores e pequenos criadores ou sitiantes, mas no alvorecer do século XX, com a modernidade representada pelo automóvel, as estradas com condições para o transito de veículos passava a ser a pauta de reivindicação das autoridades, sendo realizado em 1917 o I Congresso Paulista de Estradas de Rodagem e em Mogi das Cruzes novamente se pensava na ligação com Bertioga.
Com o início das obras, em 1926, da adutora que iria contribuir para abastecimento de água na cidade de São Paulo São Paulo, os distritos de Biritiba Mirim e Taiaçupeba que ficavam mais próximos do alto da Serra do Mar e outrora tinham passagem para o litoral, passaram a contar com estradas que viabilizaram o transito pesado de caminhões que levavam materiais e operários para as obras. Instalados em Taiaçupeba os operários eram transportados para as obras da adutora na caçamba dos caminhões, sendo que não era raro acidentes como os de 1935, onde um caminhão Sauer despencou num precipício com 22 pessoas, com saldo de 4 mortes e 16 feridos, entre estes alguns em estado grave. Meses mais tarde outra morte era anunciada no transporte de operários que moravam na sede do distrito.
Aos poucos a ligação por estrada de rodagem de Mogi com o alto da Serra do Mar ia sendo efetivada, muitas vezes com estrada aberta, mas caminhos precários, o que era uma constante em relação às estradas como podemos constatar pelos anúncios veiculados em jornal do Ford V8 para o final dos anos 30 que destacava a “Rodagem Especial” que aumentava a altura do carro e garantia “o transito dos mais acidentados caminhos”.
As comunicações por estrada de rodagem avançavam e Santos e Guarujá atraiam turistas principalmente da capital, enquanto Bertioga, no início da década de 40 era vista como um potencial investimento com os primeiros loteamentos urbanísticos abertos pela Cia. Urbanística de Bertioga, tendo a frente José Ermírio de Moraes junto a outros empresários, que também fundam mais tarde a Praias Paulistas S/A e loteiam a região conhecida hoje por Indaiá. É desta época também, especificamente 1948, a Colônia de Férias do SESC.
A corretagem destes e outros loteamentos começavam e logo atingiam a cidade de Mogi das Cruzes em 1957 e inicio dos anos 60 levando muitos mogianos a comprar e construir em Bertioga, na vila Itapanhaú, Indaiá, Balneário Mogiano na Boracéia ou próximo ao SESC, levando a viagem de descanso para o litoral de 3 a 4 horas seguindo pela Via Anchieta-Santos-Guarujá-Bertioga.
Ao mesmo tempo a possibilidade da ligação rodoviária direta Mogi – Bertioga continuava presente para os mogianos com a aprovação pelo Conselho Rodoviário do Estado da construção da rodovia passando por Taiaçupeba, o que faz com que um grupo do distrito, liderados por Milton Rabelo e mais 27 homens desçam a serra do mar, usando trilhas antigas para demonstrar a viabilidade da empreitada passando pelo Sertão dos Freires, de outra feita, realizam a medição do rio Itapanhaú, pernoitando no pé da serra, no dia seguinte sobem as escarpas por trilhas até o ponto de ônibus do Sertão dos Freires.
Há muito a ligação rodoviária se concretizou e consolidou o crescimento da região de Bertioga e com essa ligação direta com o planalto os caminhos continuam a se transformar e novas formas são produzidas, agora com a anunciada duplicação da rodovia Mogi – Bertioga.
Hoje Bertioga não precisa mais da defesa de sua fortaleza contra perigos que venham do mar, no entanto a defesa ainda se faz necessária em relação à conservação de seu patrimônio histórico, materializados em suas construções tombadas, inclusive o Forte São Luiz (23/09/1974) que precisa de urgente intervenção, seu patrimônio cultural que conta com sambaquis, dentre eles um registrado no rio Itapanhaú, a aldeia Guarani no rio Silveira em Boracéia e outros, onde a Secretaria do Meio Ambiente do Estado de São Paulo aponta a ausência de pesquisas sistemáticas no campo do patrimônio cultural como um todo ou sumariamente abordada.

Fontes jornail “O Liberal”, 1933, 1938
Secretaria da Cultura do Estado de São Paulo – tombamento Fortaleza de São Felipe, Livro do Tombo Histórico, inscrição nº87, p.10, 23/09/1974

A fortaleza de São Felipe coberta por vegetação, na ponta da ilha de Santo Amaro, vista de Bertioga

O lado menos visível do canal da Bertioga
Quando, na década de 30, Mário de Andrade concebeu um serviço de proteção do patrimônio histórico e artístico nacional já havia a preocupação com as construções históricas no litoral, particularmente em Bertioga, que foi visitada por Luis Saia, amigo de Mário, que escreveu “Notas de uma viagem a Bertioga” em 1937, o que levou neste mesmo ano a uma viagem do próprio Mário de Andrade para tomar contato com as construções coloniais e a cultura caiçara. Entre os bens para tombamento inventariados por Mario de Andrade em 1937 se encontrava, além do forte São João, as ruínas do São Felipe ou São Luis. 
De frente para o Forte São João, localizado no lado oposto do canal de Bertioga, no extremo norte da Ilha de Santo Amaro no Guarujá, coberto pela vegetação repousa os vestígios do Forte São Felipe ou São Luiz.

A duplicidade do nome se explica porque em 1904 o escritor Euclides da Cunha se referiu a um dos fortes de Bertioga como São Felipe, no entanto, a construção do século XVI desapareceu e o que hoje vemos é a construção que data provavelmente do final do século XVIII denominada Forte São Luiz (Livro do Tombo Histórico: inscrição nº 87, p. 10, 23/09/1974) e os muros de pedra que ladeiam a costeira do canal e conduzem ao forte, juntamente com as muralhas e piso que resistem ao tempo e ao descaso.
Aqui ressaltamos em detalhe esta construção, apresentado no início da página com o título “Obra da estacada que D. Luis mandou fazer na Bertioga 1775” (acervo Biblioteca Nacional), mostrando que existia no lado oposto ao Forte São João uma “Estacada” ou barreira construída com grandes estacas de madeira para proteção, possivelmente de artilharia e artilheiro, pois a posição favorecia a artilharia de fogo cruzado com o Forte São João, impedindo desta maneira que inimigos entrassem pelo canal da Bertioga, surpreendessem e tivessem acesso à vila de Santos por um local menos guarnecido.
Se hoje cruzarmos de barco o canal no sentido Bertioga – Guarujá, desembarcando e seguindo a trilha à esquerda pela costeira podemos ver o que está representado no desenho do século XVIII, com a Armação das Baleias (restam poucos vestígios), muros de pedra no “caminho da vigia” e “caminho da estacada”.


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