terça-feira, 7 de junho de 2011

A Festa do Divino: o império da festa

Presença marcante no Brasil, já no período colonial, a religião sempre correspondeu a necessidades, desejos, esperanças e aspirações das pessoas, atuando em diversos sentidos, ora legitimando a dominação dos poderosos, ora conscientizando e libertando.

Neste sentido de libertação, conscientização é que podemos analisar a festa do Divino, comemorada desde os tempos coloniais onde o sagrado comungava com o sentido profano das festas e revestia a seriedade da liturgia com a alegria das manifestações do povo e seu entendimento da religiosidade, a maneira como o povo entendia e praticava seu catolicismo.
Em estreita ligação com a religião as festas imperavam, em um sentido de se estabelecer, de permanecer e o império das festas dominava a todos levando à idéia de lugar de reunião, participação e comunhão. As irmandades incorporavam elementos africanos nas festas, como a Irmandade do Rosario, onde se encontravam escravos, livres e pobres, que introduziam nas festividades as danças de Moçambique, a Congada e na festa mais intensamente comemorada, a Festa do Divino, a historiadora Mary Karrach apontou que os escravos de origem africana identificaram a pomba do Divino com a simbologia de pássaros de regiões africanas que significavam vida e morte ou dia e noite ou ainda liberdade e igualdade.
Por essas razões havia por parte das autoridades tentativas de disciplinar ou intervir nas manifestações populares, o que não se concretizava inteiramente pela ligação da festa com a religião e a intensa participação das pessoas, onde as manifestações de religiosidade aconteciam fora da igreja, ou seja, na festa. O viajante frances Saint-Hilaire, ao passar por Taubaté em 1822 na época da festa de Pentecostes anotou em seu diário “Já estávamos sob o rancho quando um bando de gente, de todas as idades e cores, ali veio aboletar-se conosco.São músicos que vão...coletar para a festa de Pentecostes.Em regra esses que assim pedem para o Espírito Santo não devem sair de seu distrito, mas obtém facilmente a permissão para girar pelas freguesias vizinhas”.
Em várias localidades, inclusive em nossa região as posturas municipais ou leis municipais proibiam festas de santos com a concentração de pessoas e em Mogi das Cruzes um documento de 1835, encontrado no Arquivo da Assembléia Legislativa, nos mostra que as “festividades” eram importantes na vila.
Neste documento a Câmara de Mogi solicitou a Assembléia que não fosse proibido os “tiros de roqueira dentro da vila” em dia de festa. A roqueira era um tubo de metal cheio de pólvora, preso em um toco de madeira e quando aceso provocava uma forte explosão e servia para dar início às festividades, seria um equivalente dos morteiros de papelão usados hoje em dia.
Pelo menos nas quatro principais festas, a saber, “Páscoa, Espírito Santo, Santa Anna e Natal”, era requerido a permissão para o uso da roqueira, no entanto, a proibição vigorou.
Durante a década de 1830 as proibições ficaram mais rígidas como mostra uma postura municipal ( leis municipais) da cidade de São Paulo, onde, “todo aquele que ...tirar esmolas para festejos de Santos fora das portas das igrejas e capelas, e pelas ruas será multado ou dois a seis dias de prisão” e em 1836 na freguesia da Penha em São Paulo uma pessoa foi presa por “esmolar com bandeira”.
Em Santa Isabel, cidade onde as posturas municipais haveriam de proibir as danças como o moçambique, comemorava-se a Festa do Divino de 1844 com a sua Imperatriz solicitando licença para esmolar, segundo documento do Arquivo Histórico do Município de São Paulo, “a fim de solenizar melhor a festa do Divino”.
Estes exemplos nos mostram que aos olhos do poder instituído as festas e danças populares eram acompanhadas e regulamentadas pelas leis porque eram vistas como uma possibilidade de transgressão da ordem, principalmente numa sociedade escravocrata, por outro lado mostrava a autonomia, desejos e vontades do povo.
Sabendo que estas festividades, muitas vezes cerceadas, eram de extrema importância para manter a identidade do povo, o modernista Mario de Andrade realizou excursões às cidades que circundam São Paulo para mapear as festas, danças e costumes das comunidades.
Visitando Mogi das Cruzes em 30 de maio de 1936, escreveu um artigo para a Revista do Arquivo Municipal de São Paulo, sobre a Entrada dos Palmitos: “Chegado a Mogi pelas doze horas do dia 30, para organizar as filmagens que o Departamento de Cultura realizaria no dia seguinte, cuidei de indagar o que era essa “Entrada dos Palmitos”. Infelizmente perdera a cerimônia que é tradicionalmente às primeiras horas da manhã. Como julgo ver nessa festa uma curiosa e ainda viva reminiscência do culto do vegetal da primavera no Brasil, venho comunicá-la para que os conhecedores mais completos dos costumes nacionais liguem a festa mogiana a outras do país e a estudem”.
Estudar a festa e conhecer seu significado, não deixar a tradição morrer envolvida pela modernidade, este era o projeto de um modernista como Mario de Andrade.A congada e o moçambique que ele filmou pouco se modificou, a cavalhada filmada no Largo do Bom Jesus não mais existe.
A festa chegou até nossos dias muito diferente e muito igual. Igualdade na tradição e fé dos devotos e participantes. Diferente sob o signo dos valores da sociedade contemporânea, do consumo e da mercadoria.
As festividades significam encontros, possibilidades de socialização, liberdade e para todos que vivem o Divino, envolvimento, participação, solidariedade e emoção. Em qualquer época e em qualquer lugar homens e mulheres tornaram e tornam as festas autenticas e concorridas.
  


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