segunda-feira, 27 de agosto de 2012

Caminhos Antigos XII




Trilhos urbanos:através dos espaços da cidade



 A cidade é uma experiência visual, como nesta vista aérea de Mogi das Cruzes, do final da década de 1930, que nos dá uma ideia do traçado urbano, seus trilhos que formaram trilhas, que se transformaram em ruas ladeadas por construções , o ir e vir de pessoas, que ocupam as praças, local das igrejas e edifícios públicos, festas, encontros e divertimentos como o circo.
Mario de Andrade já havia se acostumado a reconhecer nos arredores da cidade de São Paulo, que o passado de nossa cultura estava vivo e se manifestava principalmente nas danças e festas caboclas. A pauliceia desvairada havia ficado para trás quando desceu do trem na estação de Mogi das Cruzes no sábado, 30 de maio de 1936, ao meio dia.
A equipe do Departamento de Cultura da cidade de São Paulo se preparava para filmar os festejos do Divino no Largo Bom Jesus, presentes além de Mario de Andrade, o antropólogo francês Claude Levi-Strauss, que fazia parte da missão francesa que viera fundar a Universidade de São Paulo e sua esposa, Dina Strauss que analisava e via nas danças da festa a formação de companhias de atores, representando cada um determinado papel. E não estava longe da verdade, pois, era exatamente isso que aquelas pessoas faziam na congada, cavalhada ou moçambique, ao viver intensamente a festa.
Ao lado destes personagens transitórios que passavam por Mogi e se encantavam com a festa, outros, da própria cidade tinham seu dia a dia alterado como seu Antenor de Souza Mello que fechava seu armazém na esquina do Largo por conta da cavalhada.
No Largo, os cavaleiros dão início a cavalhada, dividem-se em dois grupos representando mouros e cristãos, entram em disputas, cai um dos cavalos com o cavaleiro. Ele não volta ao torneio: é ajudado por dois homens, um deles com algumas lanças na mão. Continuam os movimentos dos cavaleiros a galope. Um dos cavaleiros dá uma súbita volta com o cavalo, indo parar em cima da multidão. Veste roupa escura e desapeia. À direita, alguns tiros (de festim) são dados por cavaleiros vestidos de branco, junto à assistência. Os cavaleiros, em movimento, batem armas.
Como pano de fundo destas representações festivas, a paisagem de um passado ainda vivo: um casario colonial, mostrando a origem portuguesa desta festa.
Sempre atento, Mário de Andrade não via apenas esses indícios coloniais, mas também o avanço irreversível da modernidade, presente na cidade em transformação.
Processo semelhante ocorre na educação pública, onde a “escola”, que antes funcionava na casa dos professores, agora irá constituir-se no espaço arquitetônico dos grupos escolares, instalados em prédios com uma identidade voltada para a educação, funcionando o novo prédio escolar em 1914 (Coronel Almeida), com uma arquitetura monumental com a intenção de sinalizar e simbolizar as finalidades sociais, morais e cívicas da educação pública, assim como as realizações dos governos republicanos no Estado de São Paulo.


                    desenho de criança do II grupo escolar representando a sala de aula e a cidade em 1937
 
Ato contínuo o segundo grupo escolar funcionou a partir no início dos anos 30 no Largo Bom Jesus e o aluno Nelson de Souza Mello assim o descreve em atividade escolar de 1933: “O prédio escolar – O 2º Grupo Escolar desta cidade está construído dentro de uma área de terreno de forma retangular, no Largo Bom Jesus.Tem a frente, a entrada principal a leste ou nascente, no Largo Bom Jesus e a outra entrada, o portão de recreio, ao norte para a rua Ricardo Vilela. O recreio fica para o lado do poente ou oeste e dá para terrenos particulares.1933”
Fora do perímetro urbano, já na area rural, havia grupo escolar especificamente construído para funcionar como escola no Núcleo Colonial de Sabaúna com funcionamento a partir de 1906 e Cocuera no ano de 1936 em prédio cedido pela Sociedade Japonesa.



 O símbolo moderno representado pelo automóvel e as agencias Ford e Chevrolet instaladas no município, nas novas ruas, largas e apropriadas para o transito de automóveis que chegavam de São Paulo pela Avenida Vol. Fernando Pinheiro Franco, com suas bombas de gasolina e ganhavam a direção do Vale do Paraíba por duas grandes retas ladeando pelo esquerda a linha ferrea e pelo lado direito a estrada tortuosa mais antiga do Rio Acima.
Bairros novos surgiam, desde a segunda década do século XX como atividade imobiliária, a “nova” Avenida levando para a Vila Santista, na rua Santana de vias planejadas com “largura de dezesseis metros tendo...instalações de luz elétrica e telefone”.
Nos jornais eram anunciados novos remédios sintetizados em laboratórios, como a aspirina da Bayer, junto dos tradicionais xaropes de receitas caseiras do século XIX e os espaços da cidade agora contavam com locais onde médicos atendiam em clínicas apropriadas, como o hospital particular do Dr. Deodato no Largo Bom Jesus (no início de 30) e o laboratório de análises clínicas com profissionais especializados vindos da Capital.
A revolução de 1932 que incorporou na política elementos emocionais através de imagens e símbolos deixou como herança os festejos de aniversário da cidade em primeiro de setembro e como um marco físico, o obelisco que remetia a fundação da cidade, fixado na praça central.
É desta cidade de feições coloniais, de mudanças e permanências da primeira metade do século passado, que nos conta Dona Bela Fernandes de Miranda, nascida em 1923, oitenta e nove anos.
Nasceu e morou em frente ao largo Bom Jesus até os sete anos de idade e se lembra da clinica do Dr Deodato e do armazém do seu Antenor, situados no Largo. O antigo armazém, frequentado pelas crianças que procuravam os doces caseiros de abóbora, batata doce e cocada dispostos em prateleiras próprias e os refrescos de groselha e capilé, este último de receita portuguesa, que constava do manual “O Cozinheiro Moderno” de 1780 e bastante popular no Brasil até meados do século XX.
Nos anos 30 Dona Bela se mudou para uma casa ao lado do Largo da Matriz, onde viveu o tempo da revolução de 1932, com os soldados ocupando as dependências do grupo escolar onde estudava. Passada a revolução e o medos de um tempo turbulento e de incertezas para os paulistas, o cotidiano voltava ao normal na cidade com as idas para a escola e na volta, já em casa, retirava os sapatos, artigo raro que não podia estragar.
Depois da escola as brincadeiras de peteca e pular corda aconteciam na praça da Matriz onde em 1935 foi inaugurado o obelisco comemorativo do aniversário da cidade, que aos olhos de uma criança chamava a atenção: “Ninguém podia por a mão no obelisco, parecia um coisa sagrada, uma coisa diferente, havia um respeito ...”
De 1935 em diante o aniversário de Mogi era incorporado aos eventos que aconteciam em praças e largos da cidade sendo os mais comuns pelas festas, a Matriz, o Bom Jesus, Carmo e Nossa Senhora do Socorro, esses os vazios urbanos que recebiam as agitações das atividades concentradas num mesmo espaço como quermesses, danças e o circo, que nas lembranças de Dona Bela o que mais lhe despertava interesse era a presença dos animais.
Das festas, a imagem mais marcante é a do Divino. Festeira quando adulta, não consegue evitar um misto de alegria e saudade ao recordar, da infância e juventude, a imagem das ruas decoradas na Entrada dos Palmitos quando tudo “era palmito de verdade, não era palmeirinha” e do tortinho que não havia na festa e foi receita trazida de Caçapava, num autentico exemplo de trocas culturais.
A partir de 1943, formada professora as aulas passaram a fazer parte de seu dia a dia e os caminhos da cidade a levaram até o distrito de Sabaúna, onde chegava de trem, ministrava as aulas e voltava de ônibus. Caminhos da cidade que também, nos momentos de lazer, levavam às romarias e picnik na gruta Santa Terezinha todo primeiro de Maio ou nos cinemas que eram muitos, espalhados pelas ruas da cidade.

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