quarta-feira, 19 de setembro de 2012

Caminhos Antigos XV


A Freguesia de Santa Cruz do Campo Grande

Rota a pé de Mogi das Cruzes à Taiaçupeba

Partindo da Igreja Matriz no centro de Mogi das Cruzes, até a Igreja da Santa Cruz no centro de Taiaçupeba, são vinte e três quilômetros, quatro horas e cinquenta e um minutos de caminhada.
Inicialmente, seguindo pela rua Major Arouche de Toledo, virando a direita na rua Ipiranga e andando até a avenida Henrique Eroles, cujo início apresenta uma subida íngreme e após uma sucessão de curvas entramos na avenida Japão, até a altura do conjunto Santo Ângelo, onde começa a antiga estrada do Rio Grande que termina um pouco antes do perímetro urbano de Taiaçupeba, como nos aponta o Google Maps. Há mais de cento e cinquenta anos atrás, distância e itinerário semelhantes, conduziam ao bairro da Capela da Santa Cruz do Campo Grande.
Até meados do século XIX a região do Campo Grande abrigava uma formação social dispersa, típica do bairro rural, com o dia a dia abrigando a vida do campo, na lida com a lavoura e criações, servindo como referência para a utilização dos caminhos para Santos, fosse de Jacareí, Santa Isabel, ou mesmo Mogi. Assim, no lombo das tropas de muares, as cargas seguiam saindo da cidade pela rua Ipiranga.
Com a construção da estrada de ferro Santos-Jundiaí (conhecida como “a Ingleza”) a partir dos anos 1860, houve a utilização de mão de obra desta região, principalmente de 1863 a 1867, quando foi inaugurada a Estação do Alto da Serra e, muito provavelmente, alguns trabalhadores ali se fixaram, tendo por concreto a benção da Capela do Campo Grande no ano de 1864, um pequeno agrupamento de casas, com umas duas dezenas de moradias. Diante da relativa proximidade com a estrada de ferro inglesa, a região e os seus representantes anteviam uma prosperidade e crescimento futuro.
Sendo um local de passagem e também de pessoas já estabelecidas, o bairro contava com a virtude e potência presentes na cruz, símbolo do catolicismo oficial, indicativo do local de culto.
Dentro de um “catolicismo social” ou de uma devoção popular, contava também com a função do culto às almas, de marcos de sepultura, da defesa dos andarilhos contra mal feitores e principalmente, estas Santas Cruzes representavam a presença divina entre os homens, estabelecendo a ordenação espiritual do universo, entre homem e natureza, humanizando os ciclos biológicos da vida e da morte. Desta maneira,  podemos compreender porque estes locais estabelecem a invocação da Santa Cruz em sua capela para os cultos populares.
Do mesmo modo que a Assembleia Legislativa Provincial havia elevado à Freguesia, em 1838, as Capelas Curadas de São José do Paraitinga (atual Salesópolis) e Itaquaquecetuba, passados cinquenta anos, em 1888, era enviado à Assembléia paulista, através da Câmara Municipal de Mogi das Cruzes, uma proposição dos moradores da Capela de Santa Cruz do Campo Grande (atual Taiaçupeba) visando sua elevação em Freguesia.
A resposta da Assembleia era favorável a esta transformação, frisando, no entanto, a falta de cadeia no local, porém, contando com “boa Igreja, cemitério e pessoal suficiente.
O cemitério da povoação obedecia às normas e preocupações sanitárias que determinavam “o estabelecimento dos cemitérios fora dos templos...”, sendo benzido em novembro de 1885, após missa na capela e em seguida, procissão no sentido capela-cemitério e do benzimento com todas as formalidades do Ritual Romano.
pedido para elevação à freguesia 1888, parecer favorável
Ao chegar no Campo Grande em 1888 o viajante encontrava uma povoação expressa da seguinte maneira na proposição dos moradores: ”contem este bairro já edificada e funcionando uma excelente Capela, bem como um Cemitério convenientemente cercado e provisionado.
É nessa Capela que os suplicantes assistem ao Culto Divino, aos domingos e dias santos, sendo nela celebrados o Santo Sacrifício da Missa e mais atos religiosos que são postos em prática pelo Reverendo Vigário da Paróquia de Mogi das Cruzes e outros sacerdotes aos quais temos retribuido … possui oito quarteirões devidamente providos de seus Inspetores, contendo cada um deles um número de vinte e cinco fogos, dos quais tomando-se o termo médio … a população relativa... é 3000 habitantes. A referida capela possui os paramento e acessórios necessários ...
Quanto à divisas é força declina-las a fim de que... reconheçam a racionalidade do pedido que os suplicantes ora fazem e são elas : tem começo na linha do Alto da Serra que divisa o município de Santos com o de Mogi das Cruzes e o lado do Sul para o Norte, principia no bairro denominado Quatinga até o rio Tayssupebasú de cuja cabeceira desce até a ponte do Rio Grande tocando a Estrada da Estação da Estrada de ferro Ingleza deste nome, seguindo por ela (estrada de rodagem) a encontrar o rio Jundiay subindo-se ao mesmo até o ribeirão da Estiva, em continuação do mesmo rio até o bairro Biritibassú...”
A proposição dos habitantes da Santa Cruz terminava com a assinatura de dezoito pessoas, todas cidadãos residentes no local: dez delas colocavam ao lado do nome, a identificação lavrador e oito, ao lado da assinatura, a identificação eleitor.
Porque o pedido era encabeçado por eleitores? Qual o significado de eleitor no governo imperial do século XIX?
A lei eleitoral de 1881, redigida pelo então Deputado Geral Rui Barbosa, ficou conhecida por Lei Saraiva ou Lei do Censo. Em seu artigo segundo, estabelecia que era eleitor, aquele que apresentasse renda anual não inferior a 200$000, podendo também candidatar-se, o cidadão que tivesse renda proporcional à importância do cargo pretendido (vereador, juiz de paz, deputado, etc.).
titulo de eleitor em 1881
Figurava nesta lei os inovadores títulos de eleitor que deveriam conter, além da indicação da província, comarca, município, paróquia, distrito de paz e quarteirão, o nome, idade, filiação, estado, profissão, domicilio e renda do eleitor.
O moradores do Campo Grande moviam-se e reinvindicavam a elevação do bairro para Freguesia em vista de obter serviços religiosos com maior constância e também, em função da importância que o local ia aos poucos adquirindo. As autoridades, também em função da obtenção de poder político, e possibilidade de estabelecer relações de poder na e além da freguesia.

Capela Curada ou curato
No Brasil, durante o período Colonial até a proclamação da República, o título de Capela Curada era fundamental para que um povoado obtivesse o reconhecimento oficial e com isso pleitear o título de Freguesia junto à Assembléia Provincial. Diferentemente dos governos republicanos, convém lembrar que a administração pública nos idos coloniais não era laica, mas integrada com a Igreja Católica.Capela Curada é aquela que conta com ofícios religiosos exercidos periodicamente por um padre (o cura) e apenas os locais onde as celebrações religiosas ocorriam com regularidade poderiam ser denominados como Capela Curada.

Frequesia
Era atribuído o título de capela curada ao lugar que tivesse determinada importância, sendo que, somente o lugar que fosse capela curada poderiam os habitantes e principalmente políticos reivindicar a elevação para freguesia.        
A menor divisão administrativa existente no antigo Império Português corresponde à Frequesia. O Brasil Colonial possuia uma organização semelhante e durante o Império, a Igreja Católica considerada como religião oficial, era mantida pelo Estado, que tinha o dever de pagar salários para padres e bispos. Deste modo, era adequado que a estrutura administrativa civil não fosse distinta da estrutura eclesiástica. As províncias eram divididas em municípios que por sua vez eram divididos em freguesias. As freguesias correspondiam às paróquias, mas também havia curatos para serviços religiosos em povoações pequenas e sem autonomia política. Por sua vez, o bispos comandavam as dioceses, típica organização administrativa religiosa, que abrangiam geralmente diversos municípios, ou seja, diversas freguesias.
Taiaçupeba ou Santa Cruz do Campo Grande
Somente a Assembleia Legislativa Provincial poderia criar uma Freguesia, em função disto é que temos o pedido dos habitantes da Capela da Santa Cruz do Campo Grande dirigido à Assembleia, intermediado pela Câmara de Mogi e sendo assinado principalmente pelos eleitores do local, pois estes elegiam os deputados da Assembléia Legislativa e assim iniciava-se uma rede de influências políticas em eleições regionais e locais.
Apenas com a proclamação da República, houve uma total separação entre a Igreja Católica e o Estado brasileiro, de modo que as antigas províncias transformaram-se em estados autônomos divididos em municípios também autônomos que, por sua vez, podem (ou não) ter seu território dividido para fins puramente administrativos. A Igreja Católica passou a manter uma estrutura administrativa distinta.

Fogos/residencia/quarteirão
Fogos eram as casas ou famílias que formavam o quarteirão
Com o Código do Processo Criminal de 1832, o cargo de inspetor de quarteirão foi introduzido no sistema de policiamento brasileiro em freguesias, vilas e cidades. Os inspetores de quarteirão eram selecionados pelos juízes de paz entre a população dos distritos. Recebiam poder (não era raro o abuso de poder) para atuar em seu quarteirão, podendo prender em flagrante, repreender e quando a repreensão não fosse atendida poderia fazer assinar “termo de bem-viver.”

Para saber mais
Arquivo Histórico da Assembleia Legislativa do Estado de São Paulo.
A “Gazeta de Mogy das Cruzes” dizia em sua edição n°5, de março de 1881, que a linha férrea “Ingleza”, ficava a dois passos dos “Campos do Santo Ângelo.” Disponível em www.dialeticacultural.blogspot.com.br.
E.E. Benedito de Souza Lima. Meu Bairro, Minha História, Meus Valores (org. Dialética Cultural). http://dialeticacultural.net/Meu-Bairro%2C-Minha-Hist%C3%B3ria%2C-Meus-Valores.php
TRIBUNAL SUPERIOR ELEITORAL.  Lei Saraiva.  Disponível em  http://www.tse.jus.br

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