quarta-feira, 26 de setembro de 2012

Caminhos Antigos XVI

detalhe do forro, anjos e detalhe das colunas do altar mor
Taiaçupeba das artes
Um homem pintou o teto de capelas da região com singular simplicidade e beleza, tinha por apelido, talvez por ficar amarrado pintando ou deitado num andaime, Zé Correia. Outro que esculpia, passava dias de descanso na região e ainda o estrangeiro que buscou a tranquilidade e inspiração do local, deixando suas impressões marcadas na paisagem da região ao fazer de sua morada o reflexo de sua alma impressionista-expressionista.
Os caminhos de 3 artistas se encontram, em momentos diferentes da história, mas reunidos num mesmo local:Taiaçupeba. Ao chegar, o ambiente tranquilo do distrito, a rua ladeada por pequenas casas, pessoas no ponto de ônibus, alguns pedestres circulam nas proximidades e na praça onde o edifício da igreja se destaca dos demais, repousa um tesouro no interior do templo, materializados na talha, pintura do altar e forro, exemplo da arte sacra popular de um artesão do povo que se dedicou na vida a criar verdadeiras obras de arte, a partir de suas vivências e de sua crença. Anonimo como muitos artistas populares, representa nosso acervo cultural, nosso patrimônio histórico, conhecido por poucos e que mostra em termos de arte sacra, que nossos olhos não devem estar voltados somente as maravilhas da arte barroca em Minas Gerais ou Nordeste, mas também para capelas simples de pequenas localidades do interior, onde se encontram o trabalho do artesão anonimo que aprendia e tinha como escola artística a interpretação pessoal dos santinhos de papel distribuídos no culto ou nas festas devocionais, as paginas de uma bíblia dominical e os catecismos.
Nossa história tem início quando os caminhos nos levam à capela da Santa Cruz e ao Livro de Recibos de 1885 (pesquisados por Eduardo Etzel) que nos mostram como a pequena capela de 1864 vai ganhando contornos maiores, com os serviços de taipa no corredor da igreja, as madeiras aprumadas que davam formas ao coro em 1889 - ano da Proclamação da República. No ano seguinte (1890), o assoalho ficava pronto e três anos mais tarde (1893), era finalizado o forro do templo.
Forro da capela: original de JBC
José Benedicto da Cruz ou simplesmente JBC, o homem que tinha a religiosidade marcada no nome de José, nome bíblico que significa “aquele que acrescenta”, Benedicto ou abençoado, foi pedreiro, taipeiro, trabalhava como marceneiro, entalhava oratórios e altares, pintava e decorava igrejas na região de Mogi das Cruzes e foi o grande responsável por deixar a igreja de Taiaçupeba da maneira que hoje a encontramos.
Os trabalhos na estrutura da igreja se estenderam até 1917 quando JBC finalizou o forro da capela como mostram os recibos e a assinatura que deixou no local com data e ano da conclusão da obra em 1918.
No forro da capela, a religiosidade de JBC dá lugar a uma reinterpretação e releitura própria de uma obra do barroco do final do século XVII, uma Nossa Senhora da Conceição, rodeada de anjos, redistribuídos entre as nuvens, segundo sua concepção.
Ao fundo da igreja, o altar mor guardava uma solução interessante: dois anjos pintados acima do altar, um de cada lado, olham com as mãos em prece para o centro do altar.

anjos enquadrados por elementos arquitetonicos do altar: original de JBC

Contemporânea à presença de JBC em Mogi das Cruzes, pintando capelas e igrejas, a semana de Arte Moderna acontece em São Paulo em 1922,  buscando a expressão de uma manifestação artística genuinamente nacional.
Graça, escultura em bronze
Entre seus participantes estava Victor Brecheret que viria a se casar com Jurandy Helena em 1939, ou simplesmente Dona Juranda, moradora da vila Taiaçupeba, agora mais movimentada em meados do século XX, por conta dos trabalhadores da “Adutora do Rio Claro”, sistema de abastecimento de água para a cidade de São Paulo, em construção naquele momento.
Brecheret, diferentemente de JBC, representou uma outra vertente da arte, sistematizada e erudita. Introdutor do modernismo na escultura brasileira, estudou no Liceu de Artes e Ofícios de São Paulo e na Europa. Até o ano de 1955, ano de sua morte, dividiu sua carreira entre o Brasil e a Europa, com exposições em salões internacionais, Bienais como a de São Paulo e de Veneza em 1950 e 1952 e algumas estadas em Taiaçupeba.
Por volta desta época a região recebe O maior pintor chines dos últimos quinhentos anos:  título de um dos filmes recém produzidos que procuram retratar a história de vida deste senhor que por cerca de 17 anos estabeleceu morada em Taiaçupeba. Ano passado, a conhecida loja londrina, a Sotheby´s, vendeu uma coleção com 25 pinturas suas por U$ 87,3 milhões ou aproximadamente 178 milhões de Reais!
Chang Dai-Chien ou Zhang Daqian nasceu em Neikiang, província de Szechuan em 19 de Maio de 1899, filho de um rico comerciante. Em 1917, conduzido por seu irmão Zhang Shanzi (um artista bastante conhecido por suas pinturas retratando tigres) iniciou seus estudos artísticos em Kioto, Japão. Ao 20 anos, instalou-se em Shangai, estudando a arte chinesa com os mestres Tseng Nung-jan e Li Mei-an. A partir de 1927 realizou uma série de viagens pelo interior da China, para melhor conhecer sua natureza e cultura.
Nos anos 40, lidera um grupo de artistas para estudar as gravuras rupestres e murais do imaginário budista nas cavernas de Mogao e Yulin na China (as "Cavernas dos Mil Budas"). Desta experiência, o grupo realiza mais de 200 pinturas.
Por discordar da revolução chinesa, iniciou uma série de perigrinações, vivendo em Formosa, Hong Kong, Índia, Estados Unidos e Argentina.
"Em 1953, ao regressar dos Estados Unidos rumo à Argentina, numa escala no porto de Santos, soube por um amigo da existência de uma região de bom clima, onde era possível comprar terras por um preço conveniente."   Mudou-se então para a cidade de Mogi das Cruzes e dois anos depois comprou um sítio de seis alqueires na região de Taiaçupeba. "Ali construiu seu paraíso, criando várias obras e dedicando-se ao ensino da pintura para uns poucos discípulos.". O professor Sun Chia Chin, fundador da cátedra de Chines na Universidade de São Paulo, foi um deles.
Descontente com o projeto de construção da represa de Taiaçupeba, que inundaria parte de seu sítio e destruiria sua espetacular casa cenário,  Chang Dai-Chien mudou-se para Pebble Beach, na Califórnia, em 1970.
Em 1976, convidado pelo governo de Formosa, estabelece nova residência em Taipei, onde faleceu em abril de 1983.
O jornal O Estado de São Paulo, em sua edição de 1 de junho de 1969 traz uma pequena matéria sobre o artista, destacando-se o depoimento de seu médico pessoal, o Dr. Nobolo Mori: "O professor quase não vê e, outro dia, quando lhe perguntei como consegue pintar sem visão, ele me respondeu que tinha sua pintura na alma..."
Sua antiga residência em Carmel, na Califórnia foi transformada em fundação cultural e museu. Em Taipei, criou-se um museu, especialmente para acomodar parte de sua produção artística, o  Memorial Museum of Zhang Daqian. O mesmo em Neijiang, na China, o Zhang Da Qian Museum. Sua obra pode ser encontrada nos principais museus do mundo ocidental, como o Jeu de Paume em Paris,  o Metropolitan Museum of Art de Nova Iorque e o Museu de Arte de São Paulo, Já em Taiaçupeba, apenas os moradores mais antigos lembram-se do antigo professor, como ainda é referenciado e de sua residência, por ele nominada como o Jardim das Oito Virtudes.



Para saber mais
Eduardo Etzel foi médico, cirurgião toraxico, psicanalista e profundo conhecedor da arte sacra popular tendo dedicado grande parte da sua vida ao trabalho de pesquisa de campo, coletando e registrando material de pesquisa como imagens sacras, oratórios, altares de culto domestico, locais de construção de santas cruzes, capelas, igrejas e entrevistas com moradores de locais pesquisados.
A região de pesquisa fundamental para Etzel, se estende de São Paulo em direção ao Alto Tiete, Vale do Paraíba e litoral.
Diferente das regiões mais ricas como Minas Gerais e Nordeste, a arte sacra encontrada por Etzel nos locais de pesquisa, mostrou sua origem ligada ao artesão caboclo, morador das pequenas localidades.
ETZEL, Eduardo. J.B.C. - Um singular artista sacro popular, a obra transcende o homem.S.P.: Cesp, 1978

Restauro da igreja de Taiaçupeba
A igreja de Taiaçupeba foi restaurada em março de 1988 pelos artistas Victor Wuo, Zanivam e Ilse Wuo

forro da capela, restaurado por Victor Wuo em 1988



Filmes
Zhang, Weimin (Dir.). Genius of Chang Dai-chien.  San Francisco State University,2011. Filme Ducumentário, 30 minutos.

Gordon, Richard; Hinton, Carma (Dir.). Abode Of Illusion: The Life And Art Of Chang Daí-chien, 1993. Filme Documentário, 59 minutos.

BANCO INTERAMERICANO DE DESARROLLO. Cuando Oriente llegó a América.
Contribuciones de inmigrantes chinos, japoneses y coreanos, 2004. ISBN: 9781931003735. pg. 111-­112

CHINA ON LINE MUSEUM. Zhang Daqian Paintings. http://www.chinaonlinemuseum.com/painting-zhang-daqian.php

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